sexta-feira, novembro 18, 2016

Cenas do cotidiano III

Por que poucos têm muito e muitos têm pouco? O dinheiro sempre foi algo que nos diferenciou (mudando de país para país). E, em qualquer lugar, verás que muitas pessoas possuem pouquíssimo dessa riqueza, enquanto muitos se banham em rios da mesma. Quando o país é novo, a riqueza, ainda não construída, é prometida a todos os trabalhadores (já que são eles que a constroem). Prometem que a dividirão igualmente, que nada faltará. Será?
Quando se vai ao Mercado Público de Florianópolis, é preciso ir de coração preparado, que não era meu caso no dia de hoje. Há sempre aqueles que costumam parti-lo, entristece-lo e incapacita-lo. Aquele costumeiro vendedor de “chip”, que fica o dia inteiro repetindo a mesma palavra, vários daqueles gritando a quem quer que seja “compro ouro e pago bem!”. Pode até ser aquele belo som, gostoso de ouvir, de talentosos músicos ambulantes. Sempre que vejo um, fico triste por não poder melhorar e sua situação, porque é de certeza que ele não escolheu fazer aquilo para sobreviver.
Caminha, caminha, compra e compra, chegamos onde queríamos: numa loja de chocolates. Na entrada, vimos um menino mulato, carinha de pidão, olhos para baixo e cabeça encurvada, encostado na parede. Entramos na loja, compramos o que queríamos e, quando fomos sair, aquele garoto falou conosco:
_Vocês tem uma balinha para me dar, para eu vender?
Mamãe que falou com o menino.
_Onde estão os seus pais, garotinho?
_Minha mãe está em casa trabalhando, e ela trabalha tá?
Respondeu o garoto. Mamãe acariciou seu ombro e disse:
_Menino, menino... Vá para casa, a rua não é lugar para você, tu podes sofrer violências na rua. Vá para casa.
O garoto apenas assentiu com a cabeça, como se fosse se agarrar nestas palavras carinhosas de mamãe. Talvez fosse realmente o único carinho que tenha recebido.
Logo depois de termos virado a esquina da loja de chocolates, bateu uma grande vontade de voltar e dar uma barra a ele. “Por que diabos não reagi?”, “Deveria ter dado algo para ele, o menino não tem culpa de estar nesta situação”, “Quando chegar em casa, darei o título de besta máxima para mim mesma; o menino precisa mais do chocolate que eu, e eu posso muito bem passar sem. Mesmo que ele não o venda, talvez o coma. Pode ser o único alimento que ele terá nestes dias”, era pensamentos que rondavam minha cabeça como urubus, fazendo com que eu ficasse com dores na cachola.

Será que ninguém se sente mal em ver este menino nesta situação? Será que esta cena incomoda apenas a mim e a ninguém mais? A exemplo da ave que escrevi dias atrás (Cenas do Cotidiano I) parece-me que ninguém é responsável pela situação deste menino.

domingo, novembro 13, 2016

Cenas do cotidiano II

Cenas do cotidiano II

Como nossa vida é curta... A maioria dos seres humanos sequer chega aos 90 anos. Mas isso é muito tempo. Ou pouco? Se comparar aos outros seres vivos, pouco e muito. Muito e pouco. Depende da espécie. Um grande e forte elefante? Pequena e delicada borboleta. É delas que falarei, ou melhor, de um em específica.
  A mariposa-atlas (atlas-attacus) vive apenas por um dia. 24hs. Sai do casulo e, de tão pouco tempo de vida, sequer tem tempo para uma primeira refeição. Procura um parceiro para acasalar e dar continuidade para a espécie. Ambos morrem depois do seu tempo de vida, juntos, missão cumprida. Fim da linha. Fiéis um ao outro, literalmente até que a morte os separe.
   O homem, que vive tanto tempo, sequer se preocupa com seus semelhantes. A mariposa dá continuidade à espécie, e o homem, que vive por tanto tempo (se comparado à mariposa) não faz nem isso nem nada. Será que não poderia fazer mais, aproveitar mais? Viver mais? Ser mais?
  A vida passa por todos. Todos passam pela vida. Mas... Quanto tempo ainda nos resta? Aproveita, pois quem saiba tu só tenha mais 24hs?

  

Cenas do cotidiano I

Cenas do cotidiano I


    Ser humano. Já tão anestesiado pelas porcarias que dominam sua vida, não se interessam mais nem por seus iguais. Moradores de rua suplicam por uma mísera esmola, passa fome, frio, medo. Ignoramos tudo, porque nos é preferível colocar fones de ouvido e fingir que não existe. É mais fácil do que ajudar um igual. Um ser vivo que sente, pensa, age. Existe. Ignorado.
    Tudo inicia num domingo, enevoado e um pouco frio. Nossos planos para ir à praia foram frustrados, em decorrer da água fria. Em vez disso, para nos aquecer, fomos nos aparelhos da academia ao ar livre, perto do trapiche, na Beira-Mar Norte. Depois de certo tempo, já com dor de cabeça (eu costumo ficar de ponta cabeça em todos os aparelhos, então era normal uma dorzinha), sentei-me numa mesa de pedra para tomar água e logo papai se juntou a mim. Foi ai que o vimos.
    A ave estava nadando em nossa direção, um tanto desengonçada. Suas remadas eram mínimas e fracas, como se não tivesse mais forças e que sua vida dependesse disso. E, depois, eu não duvidaria desta informação. Cansada, conseguiu impulsionar-se para fora d’água com uma batida de asas, que custou muito do seu esforço. Aprumou-se numa pedra e ficou por ai, tremendo e recuperando suas forças.
    Fiquei cuidando, pelo olhar, o que aquele lindo ser faria. Logo voaria? Morreria? Nadaria? Logo, falei para mamãe que se apressou em dar uma espiada. Ela ficou preocupada, pois o bichinho poderia estar sofrendo de uma hipotermia. Como não havíamos pegado nosso celular, pedimos um emprestado de uma senhora que também se exercitava no local. Explicamos a situação e ela cedeu seu aparelho telefônico para uma ligação. Mamãe telefonou para o 190, que a mandou ligar para tal número, que pediu que ela ligasse para número tal e assim por diante.
    Depois de uma hora (pareceu-me uma eternidade, já que me recusava a desgrudar os olhos do pássaro) mamãe estava prestes a esgoelar alguém, tal era seu nervosismo. A ave (coitada!) já havia feito inúmeras tentativas de se aquecer e voar, porém, nenhuma resultava em nada. Tremendo, ela abria e fechava as asas, desesperada. Mais desesperada quando se debateu contra as pedras, tentando numa inútil tentativa, voar.
   Surpreendo-me ao ver a delicadeza das pessoas de hoje em dia. Vendo o estado da pobre ave, preocuparam-se em apenas achar o melhor ângulo para uma foto. Ouvi até uns dizendo que isso era normal (experimente bater a cabeça contra uma pedra: depois me diga se aquilo é normal) e que o pássaro estava apenas esperando os peixes (odiei ouvir aquilo: que tipo de ave treme de frio e se bate contra as pedras para alimentar-se?).
    Apareceu, depois de mais um tempo, um fotógrafo apreciando a paisagem. Naturalmente, papai foi conversar com ele. Infelizmente, fotografar não era profissão para o homem, e sim, hobby. Talvez a polícia ambiental e outras dessem mais valor ao animal se a imprensa estivesse vendo. Do mesmo jeito, o homem tirou fotos do animal e mandou para o e-mail da mamãe, que ligou mais uma vez para a polícia ambiental etc.
   Finalmente, apareceu o primeiro guarda. Decepcionamo-nos ao saber que ele estava fazendo apenas a ronda do dia no trapiche, mas concordou em reforçar aviso sobre o pobre animal. De pouquinho em pouquinho, a ave recuperava suas forças, embora ainda tremesse incansavelmente. Estava mais ousada, batia as asas com mais força e estava mais atenta ao ambiente.
   Ainda não entendo porque, para todos os números que fizemos uma ligação, jogaram o problema para cima, como uma batata quente estragada que ninguém quer e passa para o outro. Uma vida, passando de mãos em mãos, chamada por chamada telefônica. Se dependesse deles e a ave estivesse prestes a morrer, morreria mesmo.