segunda-feira, fevereiro 16, 2015

A grande batalha


A grande batalha

Tudo começou naquela noite fria, tempestuosa. Eu estava com meus colegas num quartinho com muitas camas de beliche duplas. Ninguém estava conseguindo dormir, pelo barulho das asas de corujas e pela ventania que balançava as janelas, prestes a se quebrarem. De repente, as luzes se ligaram de uma hora para outra e tudo pareceu mais quentinho e confortável. Nisso, uma menina soltou um grito agudo, e todas as cabeças se viraram para o beliche onde ela estava perto do nosso armário aberto. Aberto? Nós nunca deixamos o nosso armário... Espera aí! Nossas roupas haviam sumido! No lugar delas havia uma espécie de elevador com minha professora do 3º ano, a Rute Vargas de Rio do Sul. Todo mundo ali presente ficou surpreso, ainda mais depois que ela tirou um monte de roupas de guerra do bolso. Então ela falou:
- Boa noite! Espero que estejam bem descansados, pois têm uma longa batalha pela frente. Eu vou ser a "assistente" de luta de vocês, vou mostrar suas armas, o campo de batalha e a prova final. Chegando ao subterrâneo, vou separar vocês em dois grupos. Um ataca algo e o outro defende aquele algo. Entendido? Agora, quero que vistam essas regatas, essas calças suplex para as meninas, para os meninos calças folgadas nas pernas e essas botas. Alguma dúvida?
-Não!
 Todos responderam em coro.
 Acabei de me vestir me sentindo mais animada, parecendo um general de guerra. Havia muito tempo que eu estava lendo livros de aventura e sonhando em realizar uma. Essa era minha chance. Meus colegas, acabando de se vestir, entraram no elevador mágico. Chegando a uma salinha, minha professora disse:
- Escolham suas armas. A batalha começará em breve.
 Dito isso, ela estalou os dedos e a sala se encheu de armas de fogo, facas, canivetes, espadas, escudos... Toda espécie de arma tinha lá. Meus colegas quiseram as armas de fogo, paralisador instantâneo e outras coisas de guerra mais, digamos, sofisticadas. Eu escolhi apenas uma faca curva grande de caçador e um canivete. Com todos armados, entramos no elevador mágico e descemos até um campo bem amplo, com duas goleiras nos cantos. Vendo na cara de alguns colegas meus o espanto e a dúvida, a professora falou:
- Bem, é aqui que vocês vão lutar. Depois de passar pelas duas fases, vou escolher uns quatro de vocês para ir para a prova final. Se um de vocês conseguir passar pela última fase,  vão ganhar um presente entre uma bicicleta, 1.000,00, um kit completo de cientista, a espada original de Gryffindor, a coisa  que vocês mais querem na vida e, principalmente, uma vassoura voadora, uma Firebolt, que nem do Harry Potter. Se algum de vocês já leu o livro, vão saber do que eu estou falando. Bianca, você já o leu?
-Sim, professora-assistente-de-guerra-que-eu-nunca-vi. Li toda a coleção.
 -Hunf. O.K., Bianca. Parabéns. Mas agora, vamos começar a luta? Estão todos prontos? Vou separar os grupos. Grupo 1: Bianca, Enzo, Ana Luiza, João, Neemias, Gabriela e Ricardo. Grupo 2: Dudu, Taís, uma menina que eu não sei o nome que tem o apelido de Lagartixa, Sandra, Filipe, Kelly e Luzia.  Agora, posicionem-se em locais opostos do campo de batalha. Vou realizar uma contagem regressiva. Quando eu disser zero, o grupo um vai atacar o grupo dois. Atenção grupo dois, vocês vão defender esse pote de ouro e rubi. Grupo um, vocês vão tentar pegar o pote de ouro e rubi do grupo dois. Dez, nove, oito, sete, seis, cinco, quatro, três, dois, um e ZERO! QUE SE INICIE A LUTA!
 Dito isso, o meu grupo atacou o outro. E até que minha faca curva fez sucesso! Arranhei um, cortei a bochecha de outro, arranhei o dedão do pé de outro... Mas também cortei a mão fora de um menino (eu não tinha prestado atenção em quem era) que me arranhou, com uma espada, o cotovelo. Depois, percebi que ninguém mais tinha vindo me enfrentar, pois achavam que eu estava derrotada, morta. Mas não. Vi que o outro grupo tinha colocado o pote de ouro em cima de uma goleira, então fui lá, saltei uns dois metros no ar e peguei o pote de ouro. Nesse momento, a professora apitou como um juiz de jogo de futebol, indicando o fim da luta. O nosso grupo tinha ganhado.
 -Agora...
 Começou a professora.
-... Vocês, grupo um, vão capturar aquela menina-que-eu-não-sei-o-nome-que-tem-o-apelido-de-Lagartixa. Se o grupo dois não conseguir defender a menina-Lagartixa, vocês estarão desclassificados. QUE SE INICIE A LUTA MAIS UMA VEZ!
 Mas essa luta eu não tive tanta sorte quanta a primeira. Eu não salvei a pátria capturando a Lagartixa. Bem pelo ao contrário. Eu sabia que eu e o Ricardo lutamos melhores do que qualquer integrante do grupo. Juntos, éramos invencíveis. Mas, lutando com aquele garoto que tinha arranhado meu cotovelo (o estranho é que meu cotovelo estava novinho em folha, e a mão dele tinha se reconstituído de uma luta para a outra!) minha faquinha curva de caçador tinha quebrado a ponta. Mas eu ainda tinha meus golpes de karatê. Com apenas um chute, aquele menino havia desmaiado. Então corri até onde a Lagartixa estava e a prendi. Mas né que uma simples Lagartixa é forte? Ela se debateu e escapou. Sorte que o Rick estava perto de mim o suficiente para ver o que aconteceu. Ele me ajudou a segurar a Lagartixa enquanto ela se debatia. O som do apito soou mais uma vez, indicando a nossa vitória. Então a professora disse:
 -Bom trabalho, grupo um, bom trabalho! Agora eu vou escolher quatro pessoas para ir para a próxima fase. Vamos ver... Bianca, Ricardo, Gabriela e Ana Luiza. Venham comigo pelo elevador escolher outras armas. Essas aí não serão úteis para a próxima prova.
 Descendo o elevador, entramos em uma salinha cheia de areia no chão, mais parecia com um campo de vôlei de praia. É claro que, novamente, o Rick, a Ana e a Gabriela pegaram as armas mais sofisticadas de novo. Eles já estavam entrando pelo elevado mágico, mas a professora-assistente-de-batalha viu que eu ainda nem tinha escolhido uma arma. Tratei de me apressar na procura de uma arma. Depois, jogada no chão, meio enterrada, havia uma garra daquelas máquinas de garra com um cabo de aço pendurado na ponta. Achei que fosse útil, e como eu ainda tinha o meu canivetezinho, estava segura. Levei a garra (ultraleve) para dentro do elevador e descemos mais um pouco até chegar a uma caverna subterrânea assustadora com um lago verde, gosmento, borbulhante.
 -Bem, vocês devem ter achado um pouco nojento o lago. Mas é assim mesmo. Vocês terão que passar por esse lago sem se molharem. Há monstros aí e eles são carnívoros. São muito imprevisíveis. Às vezes comem, às vezes mantém como prisioneiro... Nunca se sabe. Mas terão que passá-lo. Quando passarem este lago verde, acharão um azul. Nele, vocês terão de encontrar um diamante verde, também. Mas cuidado! Ninguém poderá encostar a mão na água azul, pois ela é tóxica. E um aviso para quem trouxe espadas. O lago azul derrete qualquer tipo de metal e plástico. Cuidado. Dessa vez vão fazer sozinhos. Cada um por si e nada de duplas, trios, grupos... Adeus e se cuidem. Quando alguém tocar o diamante, vou ser avisada.
 Dizendo isso, ela desapareceu. E como ela disse cada um por si. Agora não tinha ninguém para nos socorrer caso nos machucássemos. Olhei para meus companheiros para ver o rosto deles, mas percebi que a Ana Luiza tinha paralisado, a Gabriela estava desmaiada e o Rick tinha uma expressão de aventureiro no rosto. Dei uns passos e passei para o outro lado do rio verde. Virei-me para trás para ver como o Rick estava se saindo, mas ele não estava mais lá. Estava no meio do lago verde, em uma gaiola, sendo vigiado por monstros muito esquisitos. Ele tentava se defender com sua arma de fogo, mas o tiro não acertava os monstros. Eles se dividiam em dois onde eram para ser acertados e se juntavam novamente como massinha de modelar. Agora só tinha eu. Depois de meia hora (o que pareceu uma eternidade) de caminhada pelo rio verde, sua cor foi mudando, mudando, mudando até ficar azul. Tinha achado o lago do diamante, e o diamante também! Na margem do lago, havia um rubi verde, brilhante... E só para comprovar o que a professora havia dito, joguei meu canivete de metal no rio azul, que se dissolveu na hora. Então mirei minha garra de ferro e joguei no rio. Não se dissolveu como eu esperava, e consegui agarrar o diamante. Nesse momento, a professora apareceu e estalou os dedos, sem dizer uma palavra. Estalou os dedos e uma bicicleta Caloi, aro 24, 21 marchas, com buzina e espelhinho apareceu. Era o meu prêmio. Segurei a bicicleta por instinto e desapareci, reaparecendo naquele quartinho com camas de beliche duplas, com o vento prestes a quebrar as janelas de madeira, com o barulho das asas das corujas deixando a maioria dos meus colegas dormindo com medo. Todos eles não tinham um único arranhãozinho sequer na pele, o Rick estava lá e minhas companheiras medrosas também. Olhei minha cama de beliche vazia, larguei a bicicleta e deitei, com as mesmas roupas de batalha que tinha usado antes.

 Então acordei, no meio da noite, certa de que tinha sido só um sonho. Um sonho ou um aviso? Isso eu não sabia. O quartinho tinha desaparecido, as camas de beliche também. Só havia eu na minha cama de casal, no apartamento, no meu quarto. Ah, e a bicicleta, eu a ganhei, linda como sonhei, de presente de aniversário do meu décimo ano de existência!