sábado, junho 18, 2016

O Homem que Não Tinha Gravata

O homem que não tinha gravata

A vida em Florianópolis é cercado de atrativos (natureza exuberante, praias, shoppings…) e contrastes. A suposta “Terra da Magia” é na realidade a “Terra da Fantasia”, como afirma nosso amigo Adaílson, morador do Saquinho. Fantasiam coisas, escondem a sujeira por debaixo do tapete, mostram atrativos bons e sequer tocam nos ruins. O fato é que lugares como o Mercado Público (Centro de Florianópolis) mostram bem o cotidiano de pessoas sem terno e gravata.
Os contrastes são muitos, as histórias são inúmeras e as pessoas imperceptíveis. Eu só vejo aquilo que me agrada, uma vez que vivemos em uma cidade “desenvolvida” no que se refere às construções, estruturas, Avenida Beira Mar, hotéis e assim por diante.
Aliás, a Avenida Beira Mar é uma situação à parte de todo resto da cidade. Essa avenida é a mais bem atendida pelo poder público. Sempre limpinha, a grama está sempre sendo cortada, as calçadas e pracinhas em bom estado de conservação e por aí vai muito bem, já que a prefeitura não mede esforços para mantê-la. Infelizmente, o mesmo não ocorre em outros bairros.
Para quem deseja conhecer a Florianópolis sem maquiagens como na Beira Mar, sugiro que vá até o Mercado Público e tire o tempo para observar o movimento diário das pessoas indo e vindo, a busca pela sobrevivência através das vendas ambulantes, os vendedores de tudo (agulha para limpar fogão, controle remoto de televisão usado, veneno para insetos, chip chip chip para celular, bateria usada para celular, raquete para matar insetos, CD e DVD pirata), emfim, inúmeras coisas. Sem contar a enorme quantidade de pedintes e moradores de rua., que perambulam no fluxo de pessoas, que se desviam e algumas até ficam preocupadas pois ali pode estar um LADRÃO.
Pois é. Nas entradas dos bancos sempre encontro moradores de rua dormindo no chão, enrolados em trapos ou em papelões. Uma senhora ao ver tal situação, me falou:
_Nossa, que perigo isso daí!
Eu perguntei:
-Perigo de quê?
Ela respondeu:
-Perigo, pois ali pode estar um ladrão, e ao sair do banco com dinheiro, podemos ser assaltados.
Minha reação foi imediata e sem pensar falei:
-Se fosse uma pessoa de terno e gravata que estivesse ali, a senhora não iria se horrorizar e ainda iria cumprimentá-lo com um sorriso no rosto chamando-o de doutor, não é?
Complementei dizendo que as pessoas que são endinheiradas é que deveriam tentar de todas as maneiras mudar essa realidade, que nem todos os moradores de rua são ladrões, aliás eles é que foram roubados de tudo.
A senhora concordou comigo e mudou sua fala dizendo que muitos engravatados roubam e não estão presos e blá-blá-blá…Talvez ela mesma tenha medo de perder aquilo que sabe-se lá como adquiriu, talvez não de forma tão honesta como sua pose queria conservar, durante anos. Aos olhos da nossa sociedade, pessoas bem de vida são as melhores vestidas.
Percebo que ao longo de minhas observações, essas pessoas permanecem estagnadas e ali fazem daquela situação uma rotina para suas vidas, e assim, banaliza-se tais situações. Um caminho sem rumo, sem perspectivas, nem sonhos.


Indignação
Skank

Eu fiquei indignado
Ele ficou indignado
A massa indignada
Duro de tão indignado
A nossa indignação

É uma mosca sem asas
Não ultrapassa as janelas
De nossas casas

Indignação indigna
Indigna nação
Indignação indigna
Indigna inação

Lazzo Matumbe, Araketu, Iiê Ayê - a Bahia indignada.
Carlos Cachaça, Morenguera,Ivo Meirelles - o samba indignado.
Vila Dias, Papagaio, Cafezal, Pendura Saia, Pau Comeu, Pai Tomás,
Santa Marta-o morro indignado.
Ramiro, Lúcio Flávio e Escadinha, o crime indignado.
Cafuringa,Natal e Jairzinho lá na ponta indignados.
Satã e Seus Asseclas, Imigrantes da Abissínia, Boca Branca,
Os Inocentes e os Leões da Lagoinha indignados.
Jaguarão, Oiapoque e Guaicurus - a zona indignada.
Ginga, Mão Branca, Negrinhos de sinhá- a capoeira indignada,

Gaviões, Galoucura, Máfia Azul, Young Flu, Mancha Verde,Flamante, Independente - a massa indignada.


_Este texto foi escrito em conjunto por mim, pelo meu pai e pela minha mãe. Porém, a escrita foi como se meu pai estivesse contando a vocês, pois foi ele que vivenciou esta experiência. Beijos da Bia!

domingo, junho 12, 2016

Maldita lei de Murphy...

Maldita lei de Murphy

Mais uma vez, acabamos numa trilha. E que dia ruim! Desde manhã cedinho, começamos com o pé esquerdo. O vaso sanitário estava entupido, e o ninguém conseguia desentupir. Quando meu pai, furioso, conseguiu, começou a vazar água. A trilha, segundo ele, estava completamente arruinada. Mas minha mãe, insistente! Conseguiu convencê-lo. Facão, água, livro. Iríamos para a trilha que leva a praia do Saquinho, porém, seguiríamos e sairíamos na praia Naufragados, fazendo a trilha ao contrário, pegando um ônibus, almoçando num restaurante (o Engenho do Vô estava na “mira” de minha mãe) e voltando ao carro. Quase não fizemos nada disso.
Meu pai cheirava a álcool e desinfetante, tentando limpar o banheiro. Isso aprofundou seu mau humor. Passando pela praia Morro das Pedras, vimos como a ressaca estava forte. Ondas gigantescas se erguiam e arrebentavam contra as enormes pedras. Nenhum corajoso se aventurou naquelas gigantas. Na praia da Solidão, elas estavam mais pequenas, como filhotes de gigantes. Mais tardar notamos que a praia de Naufragados não tinha mais praia. Era só mar, quando as ondas vinham mais e fortes.
A trilha para o Saquinho era fofa e cândida. Tinha um caminho asfaltado, vista bonita… Logo chegamos ao destino: a casa do Sr. Adaílson. Adaílson era um homem, já idoso, que havia sido empresário. Largou tudo, cuidou dos filhos e família. Resolveu cortar os laços com o mundo, com a humanidade. Isolou-se, e provou que é possível viver mais com menos. Diz que devemos obedecer os “sinais” de quando nos cansamos do mundo, e buscar um outro refúgio. Acha que todos os seres merecem ser respeitados: todos eles são naturais. Menos o homem, que é um erro e um bicho estranho.
Adaílson havia emprestado um livro para meu pai, de Dennis Overbye, e agora íamos devolver. Conversamos com Sr. Adaílson sobre como era morar assim, longe de tudo, sem apegos, isolado. Meu pai, que sempre quis viver assim, foi o que mais prestou atenção. Sem dúvidas: o que Sr. Adaílson falou afetou ainda mais meu sonhador pai.
Depois, pedimos informação no Bar do Quirino, que Sr. Adaílson nos indicou para coletar informações. Falaram-nos que a trilha estava roçada, os pontos encharcados com passagem. Falaram-nos, também, que teria uma bifurcação, e que nela deveríamos rumar a direita e subir. Depois descer. Deram-nos um mapinha feito instantaneamente! Isso facilitou as coisas.
Andamos um pouquinho e olhamos para o mar: eu gritei GOLFINHOS! Vimos vários, indo e vindo, como uma onda no mar. E depois, mais surpresas! Sem mira, fiz um corte com o facão numa árvore. Depois vi o facão manchado de uma coisa branca, como se fosse sangue tingido. Olhei para a árvore e vi seiva branca escorrendo pelo tronco. Eu havia acertado uma árvore seringueira! Nunca tinha visto isso na minha vida… Segundos depois, atingi uma outra: esta não era uma seringueira, mas ostentava seiva. Logo começou a pingar no chão, grudenta como cola…
Chegando na tal bifurcação, o mar estava perto. Muito perto. Vi uma praia de pedras, as ondas tamanho GG levantando-se e morrendo. Pegamos o caminho correto e subimos. Subimos. Subimos… Subimos MUITO. Depois de meia hora, quarenta minutos, chegamos ao topo e descemos. Minhas pernas reclamavam por descanso, meu estômago, por comida. Chegamos na casa de uma senhora, que varria o pátio. Simpática, a Sra. Vera! Nos convidou a entrar e conhecer sua casa, seu terreno, tomar um copo d'água, conversar… Foi muito gentil da parte dela. Nos falou sobre sua vida, como era viver assim. Atiçando ainda mais o interesse de meu pai…
A Sra. Vera nos contou que, volta e meia, pessoas queriam tirá-la de lá. Como seu parente, conhecido como “Del Maluco” (passamos pela casa dele, onde vimos uma miniatura de cão que se intitulava PittBull)Ela contou-nos, também, que a praia era limpa por culpa sua e de outros moradores, que coletavam lixo e reutilizavam. Mostrou-nos seu tapete feito de sacolas de lixo, muito bonito, seu caminho para casa feito de tampinhas de garrafa e latas de cerveja e uma linda guirlanda fabricada de conchinhas do mar. Sua casa tinha um cômodo em cima e um cômodo embaixo. Embaixo era cozinha, rústica e aconchegante. Em cima era seu quarto, bagunçado, com decorações de criança. Achei muito fofo, principalmente a varanda. Um pedaço de tábua, sem proteção, estendido pelo chalé. Muitas plantinhas em vasos e baldes estavam plantadas na terra, de um jeito tão delicado que só vendo. Era a casinha de “bruxa” a casinha dos sonhos.
Descemos e deparamo-nos com a praia. Ops! Eu disse praia? Perdão! Não tinha praia, havia apenas o mar. Ele engolia a areia, os caranguejos, a sujeira… Quase chegava a casa das pessoas. Tiramos os tênis (depois de um cachorro babar em mim e sujar toda a minha blusa com suas patas “mas era fofo!”) e preparamo-nos. Corremos mais do que nossas pernas poderiam aguentar. Minha mãe, coitada! Um espinho ficou enamorado com seu pé. Mas, sei lá o porquê, mamãe não gostou desta junção…
Lavamos, secamos os pés e colocamos os tênis. Abrimos os Cookies, mas eu queria pastéis. R$4,00 não fariam diferença, fariam? Não compramos, o que foi um erro. Brava, fui na frente da trilha. Correndo, logo cansei. Esperei e logo pedi para que me esperassem. Céus, quando saímos da trilha… A fome estava gigantesca, como aquelas ondas que vimos no Morro das Pedras, Saquinho e Naufragados…
Acabando a segunda trilha, procuramos um restaurante, meio a vista. Achamos? Nem em sonho, muito menos em pesadelo. Andamos pelo asfalto, o que me pareceu horas, até um ponto de ônibus. Foi-nos informado que restaurante ali era piada, e que o ônibus não tardaria a chegar. Esperamos. Era mais de 15:00 quando ele chegou, balançando de um lado para o outro. Pegamos condução e seguimos. Chegando no restaurante, mortos de fome, adivinhe? Contemplamos a placa de FECHADO. Pegamos outra condução (depois de perder uma) e fomos para o carro. Era mais de 17:00 quando ficamos no calorzinho de um ambiente fechado…

Tomamos coragem e saímos do carro, para um restaurante. O lado bom é que economizamos: a janta era nosso almoço e nossa janta. Fomos no Bar do Arante, comemos bem (camarão, pirão, arroz, feijão, saladas…) e saímos de barriga cheia. Achou que o dia acabaria assim? Que nada. A coisa podia dar errado e deu. Pegamos um congestionamento gigantesco para voltar para casa, como as ondas que vimos nesse dia.