domingo, julho 31, 2016

A Trilha do Cambirela

A Trilha do Cambirela

Novamente, a curiosidade de minha mãe fez o texto que conto para vocês. Como já lhes disse, queridos (as) leitores (as), minha mãe tem uma paixão incomparável por trilhas. Desta vez, seu coração a atraiu para uma montanha conhecida, que faz divisa entre Palhoça e Santo Amaro do Imperatriz, que fica na Serra do Tabuleiro. Adivinhou? A paixão foi ao Cambirela, que tem 1.043 metros de altura. A visão de cima é melhor que a do Google Maps! Só que, para ter esta visão, é necessário muito mais do que uma câmera com alguns “cliques”! Hmm, farejei a curiosidade. E ela vem de você. Quer saber como foi? Acompanhe-me!
Depois de vermos algumas informações na internet sobre a montanha, decidimos que, para montanhistas amadores como nós, seria mais seguro ir pelo caminho sem tantos obstáculos. Segundo o tio Google, o caminho certo seria a Trilha 1, a mais curta. Todas elas tinham escalada. Sobre a Trilha 3, não havia relato algum. As mais famosas eram a 1 e a 2, que possuía escalada e era a mais comprida. Fomos pela 1.
Seguimos pela BR 101, no sentido sul – Florianópolis - Garopaba. Levamos mais ou menos uma hora para ir do Centro de Florianópolis até a estradinha que ligava ao acesso da trilha, pouco depois do Km 222. Essa informação nós encontramos na internet e somos gratos ao homem que a publicou em seu blog, já que ela estava correta e nos levou ao lugar exato do início da trilha. Aqui, aliás, destaco a importância de as pessoas terem consciência e responsabilidade em publicar coisas na internet. Não foi uma única vez, em nossas andanças, que seguindo informações publicadas na net, constatamos que as mesmas estavam erradas. E isso nos custava tempo, desgaste... Então, penso que se alguém publica algo na rede, deve publicar com responsabilidade, prestando, assim, um serviço a quem vai buscar determinada informação, e não o contrário. Voltando a nossa aventura, nos deparamos com algo sobre o qual não havia informações na internet. Precisamos PAGAR o estacionamento. Antes fosse por motivo. R$10.00? Não estávamos preparados. Na carteira havia apenas R$9.40. Pagamos com o que tinha, e felizmente foi aceito, mesmo ficando devendo R$0.60.
A simpática moça nos indicou o começo da trilha por um caminho poeirento de terra. Os cachorros que a mesma mantinha nos acompanharam latindo, mas logo desistiram. Nos alongamos bem, de tudo quanto é jeito: costas, braços, antebraços, pescoço, gastrocnêmio, perna. Que comece a trilha. Começamos a caminhar. Passamos por uma pequena floresta de Pinus (Pinus Elliottii), e entramos em mato fechado. O início foi bonzinho conosco: o caminho não era tão alagado, a trilha, razoavelmente reta e as subidas, poucas. Mas logo começou: subiu, subiu, subiu. Se eu cansava só de olhar para o morro, imagine estar no morro.
Não foi tão complicado assim no início. Nós parávamos, de vez em quando, para tomar água ou pegar um graveto, vez por outra brincando entre nós. Chegamos numa árvore caída, mas viva, cheia de pichações. Dezenas de nomes escritos a faca, facão e canivete. Pobre árvore, para suportar tantos cortes. É um ser vivo, afinal. E nenhum deles merece sofrer. Brincamos com ela. Descansamos sob a copa das outras, e, por estar caída, nos deu assento para descansarmos.
Logo, pulamos sobre ela e prosseguimos. Andamos, andamos, andamos, andamos. Logo, começou a subir mais. Mais e mais. Ainda bem que havia raízes e cipós para nos segurarmos, fora o solo que era compactado e não escorregava sob nossos pés. Chegamos a uma pequena, minúscula fonte d'água. Tentamos encher os litros d'água, mas… Sem sucesso. Era pequena demais. Um pouquinho mais para frente, achamos outra. Novamente, pequena. Mas possuía um cano: água diretamente da montanha. Não pegamos, pois ainda havia da nossa que havíamos trazido, uns bons quatro litros.
Subimos mais. Eu, sempre na frente. Estava me achando a “EmBianca Jhones”! Para quem conhece o Alcemar, da rádio Atlântida, sabe do que estou falando. Chamava meus pais de “ledesmas”, por irem tão atrás e tomarem cuidado até por demais. Não que não fosse bom. Eu estava pensando que, ao chegar no topo do Cambirela, o almoço estaria me esperando.
Confesso: minha força de vontade surpreendeu-me. Numa ocasião perigosa, eu nem me dava conta do pânico. Já encontrava a solução e avança ainda mais. Sentava, tranquila, numa pedra e ficava olhando uma desacreditada mãe paralisar quando a situação era extrema. Foi hilário. Meu pai tentava incentivá-la: dizendo que já estávamos quase lá. Ela desacreditava. Dizia que deveria faltar uns 50% da trilha, que blá-blá-blá. Eu estava meia alheia a tudo aquilo. Se pensasse muito, creio que paralisaria e não conseguiria prosseguir, pois o perigo aumentava a cada passo avançado – exposição à altura, solo erodido e ravinizado, pedras enormes com fendas que, se alguém caísse nelas, certamente seria engolido ou quebraria uma perna.
Logo a vegetação ficou rasteira. Se a visão já era incrível embaixo, na vegetação mais alta, imagine ali. Parecia… uma imagem de satélite. A terra deixou de ser firme. Agora, tudo era resvaladio. Para piorar, não havia sequer um galho, uma raiz para nos fixarmos. Foi no muque, mesmo. Subir, subir, subir. O medo de meus pais aumentavam, porque a exposição a que estávamos era grande, também. Mas, finalmente, chagamos ao que se pode chamar de topo. Na verdade, não era bem o topo final. Restavam ainda alguns metros para atingir o topo de fato. Mas decidimos não ir até ele porque havia dois homens lá, sabem o que fazendo? CAÇANDO. Os tiros eram disparados muito próximo de onde estávamos. Ficamos com medo de levar uma bala perdida. Fiquei muito incomodada com aquilo. Onde já se viu caçar? É preciso? Não dá para ir ao açougue comprar carne para comer? Tem que matar os poucos animais que ainda restam na natureza? O homem, definitivamente, é a pior espécie que há. Não consegue viver em harmonia com a natureza. Tem que destruí-la... Não se conscientiza de que é parte dela. Deitei-me, morta de cansaço. O esforço foi muito. Duas horas e vinte minutos de subida. Mas, recompensou. A vista era maravilhosa. Divina! Encontramo-nos com uma família, que falou-nos que iriam fazer churrasco, mas não havia lenha, então eles desceram. Pegamos a marmita e encostamo-nos em umas pedras, desfrutando de nosso merecido almoço que minha mãe havia feito e havíamos levado na marmita, como sempre fizemos quando vamos para trilhas, já que é mais econômico, saudável e nutritivo.
Como o cansaço estava grande, estendemos dois lençóis na pedra – que minha mãe havia levado na mochila e arrumamos nossos casacos como travesseiro. Meus pais cochilaram, mas eu não consegui pregar os olhos. Sendo assim, fiquei de vigia, caso algum corvo aparecesse. E tinha muito sobrevoando aquelas alturas. E como eram lindos! Enorme, pretos, soberanos! Meus pais acordaram, após uma cochilada de uns quinze ou vinte minutos, nos alongamos (depois de massagear a perna da minha mãe, que alegava dor e câimbra intensas), e iniciamos a descida.
Foi meio que um escorregador gigante, pois a terra simplesmente não aderia aos nossos calçados. Resvalamos até embaixo, onde começava o lugar de segurança. E um erro seria fatal! O precipício estava muito perto, para tragar os incautos. E não queríamos ser esses. Ufa! No caminho encontramos algo muito desrespeitoso para com o meio ambiente: duas latas de cerveja jogadas no meio do mato. Só para ter uma ideia, uma lata de alumínio leva mais de 1.000 anos para se decompor naturalmente. Recolhemos e guardamos: a natureza agradece.
As pernas de meus pais, segundo eles, tremiam de tanto esforço físico. O que estava doendo, para mim, era o rosto e as mãos: o motivo é que eu arranhei os dois. O rosto, apenas o rosto, eu havia batido duas vezes em galhos que eu não havia visto. Nas mãos, por ter raspado e segurado em lugares indevidos. Mas não me dei por vencida: continuei indo na frente. Encontramo-nos com um casal e duas crianças pequenas. Não duvido que tinham quatro, cinco ou seis anos, no máximo. A mulher, notavelmente, estava pulando de brava. As duas crianças, assustadas. O homem, muito seguro de si, puxava o resto a família. Já era tarde, quase quinze horas, que foi o horário que chegamos no início da trilha e eles estavam recém COMEÇANDO a trilha! Meu pai avistou uma fogueira e achou que era deles. Perguntou. Eles disseram que não. Só podia ser, então, a fogueira da família que passou por nós no topo. E estava acesa. Não era de surpreender-se se logo se alastraria e provocaria um incêndio de grandes proporções no Cambirela. Apagamos, e o homem nos disse que já havia feito a trilha, em quarenta minutos. Cruzei os dedos. Duvido. Eles seguiram, e nós também.
No caminho, discutimos. Ou eles ficariam de noite, ou algo ruim aconteceria. Oras, que com o devido juízo levaria criancinhas naquela montanha gigante? Se meus pais quase não aguentaram, capaz que as crianças aguentariam! Meu conselho é: JAMAIS levar crianças pequenas nessa trilha, pois o risco de morte é realmente grande. Não é uma trilha para crianças, nem para pessoas desprovidas de um bom condicionamento físico. Realmente, três horas de descida fragilizaram nosso porte muito mais do que duas horas e dez minutos de subida.

Chegamos no carro. O contraste do congestionamento que pegamos e o morro que havíamos acabado de subir era gigantesco. E saber que, em um futuro, não sei se em médio ou longo prazo, aquela montanha enorme, linda, irá erodir. Um dia irá desaparecer, pois o solo, principalmente próximo ao topo, está muito erodido e ravinizado Será que, mesmo com tudo o que está acontecendo, o orgulho humano desaparecerá? Por que o poder público não assume a gestão desse lugar de forma mais efetiva? Por que não se restringe o acesso das pessoas lá, a um determinado número por dia? Fiquei pensando em um grande número de pessoas – que é o que vimos lá – pisando naquele solo fragilizado constantemente. Por que as trilhas não recebem manutenção? Por que não há ninguém por lá dando informações corretas e reais do perigo? Até quando o Arcanjo terá de ir lá para atender aos inúmeros chamados? Não seria mais racional prevenir essas situações? Ficam aí esses questionamentos, lançados a todos e todas.