sexta-feira, junho 16, 2017

Cronos X Kairós/Aíron

Como o mundo está ficando mais Cronos e cada vez menos Kairós

Olá, querido leitor! Já teve o (des) prazer de usar relógio? Pois é... Nosso texto de hoje é sobre isso: não o relógio em si, mas o que ele significa (pelo menos para mim). Começarei a explicar o título, onde aparecem duas figuras da mitologia: Cronos e Kairós. Cronos é um titã, tanto da agricultura quanto do tempo. É dele que vem a palavra “cronômetro”, e você já deve ter adivinhado de que tipo de tempo ele é: o tempo cronometrado, do relógio. Kairós é o momento certo, o segundo eterno, o tempo despreocupado. Cá para nós, sou bem desligada (sou muito Kairós), e isso foi motivo o suficiente para meus pais comprarem um relógio para mim.
Tudo começou na reunião de pais. O 7º ano (problemático) gerava tantas intrigas que uma reunião geral foi convocada (alunos, pais e professores juntos para fazer as máscaras caírem), e convocação não é igual a convite, que você aceita se quiser. Tivemos que ir, pegamos um congestionamento gigantesco do Centro até o Campeche (onde estudo) e, quando chegamos, a reunião já tinha começado. Não rolou o “fuzilamento”, como havíamos brincado em casa (eu estava muito tensa!). Houve críticas, opiniões e claro, algumas máscaras que tombaram, revelando á todos o rosto que a ocupava. Quando meus pais foram conversar com alguns professores, não houve nenhuma crítica ou colocação negativa quanto á minha pessoa, apenas uma coisinha foi destacada pelo Ricardo, professor de matemática.
O que ele destacou foi que eu ia ao banheiro depois que a sineta, indicando o fim do recreio, tocava. Meus pais quiseram resolver o problema, e pediram o porquê desse atraso. Falei que eu não sabia quando bateria o sinal, e que me divertia no recreio para ir ao banheiro depois. Perguntaram a mim se um relógio resolveria meu problema. Eu falei que sim, sempre quis ter um relógio (achava bonitinho) e achei que me ajudaria (e ajudou), mas em outro sentido.
Fomos ao mercado público, procuramos em tudo quanto é canto e finalmente achamos um: azulzinho, à prova d’água e que brilha no escuro. Compramos, e meus pais se arrependeram. O motivo? Enquanto vínhamos para casa, eu ia contando em voz alta os segundos que iam passando...
Enfim, depois da compra do relógio, nunca mais me atrasei. Para nada. Não digo que deixei de ser desligada, mas agora vejo muito mais meu relógio no punho que minhas leituras. O que é ruim. E percebi que estava muito mais atenta ao horário que ás minhas atividades, passando de Kairós para Cronos... Notei que com o mundo é a mesma coisa! Todos estão muito cronológicos. Exemplos? As fábricas com suas sinetas. Todos nessa correria do dia-a-dia. Até a escola, que deveria ser um tempo de ócio, de pensar, como a própria origem da palavra (escolé, do Grego, significa tempo de ócio, tempo do pensamento), é um lugar dominado até as veias pelo Cronos. Ora, achas que não? O horário para entrar na escola (levamos anotação se não chegamos no horário que é imposto a nós), o (s) horário (s) da troca de professor (es), a hora do recreio, a hora de sair do colégio, o tempo das aulas, TUDO é cronometrado, TUDO é previsto, TUDO é Cronos.  E o Kairós, coitado, esquecido nessa sociedade de hoje... Inclusive, esse também é o motivo para as poucas/nulas publicações do bloguinho nas últimas semanas. Tenho tido MUITO a fazer, e estou muito Cronos, muito ligada. Espero ter afastado as teias de aranhas que estavam crescendo na página do meu blog...
São raros os momentos kairológicos que temos. Já tive alguns: surfar (é, afinal, possível saber que horas são dentro da água e pensar outra coisa sem receber uma forte onda na cabeça?), brincar (havia dias que, no meu antigo condomínio, eu começava a brincar com a turma de manhã, almoçava, voltava para brincar e voltava para casa toda suja a altas horas da noite, sem nem saber se o tempo tinha ou não passado) e ficar olhando o mar, só naquele vai e vem. Até as comidas kairológicas são melhores que as cronológicas! Mamãe experimentou fazer um pão kairológico (deixando-o crescer até quando ele enjoar, não o mandando-o crescer até um determinado momento). Deu certo. O pão ficou bem mais gostoso.
E quer saber? Ficamos falando de revolução contra o sistema, contra o governo porco que está no comando, revolução isso e aquilo... Mas a verdadeira revolução mesmo será da nossa relação com o tempo, que está às avessas. Vez por outra, pergunto ao meu pai se ele quer sair, jogar bola. Ele diz “não, não tenho tempo e tenho mais o que fazer”. Jogar bola, sair, divertir-se SERIA um momento Kairós, não? Mas o maldito Cronos está tão infiltrado na vida das pessoas que as mesmas são incapazes de desvencilhar-se dele. Acabam pensando num futuro, que “amanhã será melhor”, mas... E esse amanhã que não chega nunca? Preparamos tudo para o futuro, pensamos no depois, e acabamos não vivendo o agora.
É nesse “agora” que entra Aíon, a intensidade do momento humano. O presente. No fim, vivemos e vivemos pensando num futuro, na esperança de que ele seja melhor que hoje. Até que chega um dia que a morte bate na porta e no momento você pensa “poxa vida (ou morte), acho que não vou poder fazer aquela viagem para Tallugar, deveria ter feito antes, aproveitado mais a vida... E é agora que me despeço dela, mas que coisa injusta!”. Acabamos aproveitando menos nosso Aíon, o momento presente. Oras, nunca aproveitamos totalmente um único momento que dura um segundo... E por isso que a revolução precisa ser no tempo. Aproveitarmos mais. Sem aquela pontinha do relógio nos cutucando incansavelmente a todo o momento, só para vermos que estamos atrasados para aquela reunião, para ir á escola ou sei lá o quê.

Aproveite mais o momento. Enquanto lê esse texto, NÃO olhe que horas são. Porque, se nunca tivesse um momento Kairós/Aíon, quero que tenhas agora, curtindo e refletindo, apagando o Cronos. Seria bom se tudo fosse assim... Leve... Momentâneo... Porque, no fim, o que faz a vida valer a pena são esses momentos, como, espero, seja o que estejas vivendo agora. Nesse momento. Aíon.