terça-feira, dezembro 11, 2018



América Armada
Oi gente! Voltei para retomar o bloguinho, que (convenhamos) estava atirado às traças... Volto após muitos acontecimentos: eleição do BOÇALnaro, saída dos médicos e heróis cubanos do Brasil, escândalo do Carrefour após morte arbitrária de uma cachorrinha (essa situação assemelha-se muito a que, penso eu, viveremos sob a ditadura do Boçal. A diferença é que não matarão cadelas, matarão nossos companheiros humanos). Enfim, após muitos acontecimentos (que eu pretendo retomar), volto eu para contar-lhes sobre um filme que assisti nesses últimos finais de semana: América Armada.
O documentário, exibido no CIC (Centro Integrado de Cultura) e parte das exibições do Planeta Doc, conta a (triste e violenta) realidade de três pessoas em três países da América: Brasil, México e Colômbia. O que elas têm em comum? Dor, sofrimento, saudade, resistência e, principalmente, intervenção (maléfica) de milícias e do crime organizado em suas vidas.
A perspectiva brasileira ocorre em uma zona periférica do Rio de Janeiro; um jornalista autônomo registra policias sem farda invadindo barracos sem nenhuma explicação, dizendo tolamente que “estavam cumprindo ordens”. O jornalista, fazendo seu trabalho de enfrentamento e de resistência, recebia ameaças de morte do tipo “vou escrever o seu nome em uma bala perdida” e todo tipo de intimidação possível. Segundo uma fala do corajoso, os policiais invadiam a favela com o argumento de estarem batalhando contra as drogas, mas esse argumento é falho; quer dizer que as drogas estão somente na favela? Não estão inseridas nos círculos mais endinheirados da população? Por que não é feito uma “batalha contra as drogas” de maneira truculenta com e entre os ricos? Isso prova que a batalha dos PMs envolvidos na intervenção militar no Rio não é contra os narcóticos. É contra a população mais pobre, mais vulnerável e mais desamparada.
A parte do documentário que se passa no México é (também) com um jornalista que visita um povoado no qual a disputa territorial é acirrada (não fica claro no filme quais são os envolvidos nessa disputa... serão os grandes latifundiários? Os plantadores de Coca? Os EUA?) e, cansados de verem companheiros/as e parentes morrerem pelas mãos de milícias (mais de um quinto da população foi dizimada nesse processo), os/as habitantes do povoado resolvem eles/as mesmos/as fazerem justiça. Pegaram em armas com peso na consciência, peso daquela que não sabe o que ocorreu com o marido, daquela que não pode dizer ao filho como o pai tinha morrido antes do mesmo ter um destino parecido. O jornalista que narra essa realidade diz que a morte de companheiros que exercem a mesma função que ele é enorme (por causa do local ser alvo do tráfico internacional de drogas, assim como na Colômbia) e que se sua vida for o preço para expor a realidade, é um preço que ele está disposto a (mas não precisaria) pagar.
Já na Colômbia, eu me emocionei muito... Conta sobre a luta de uma mulher, já idosa, na procura de seu filho que “desapareceu” nas mãos do tráfico, em chacinas encomendadas pela própria chanceler do estado. Em seu relato, a senhora disse que, quando ia denunciar o desaparecimento, não era possível dizer o nome do agressor, pois o relator já ligava para o indivíduo e dizia “Ó, fulana tá aqui te denunciando porque cê matou o filho dela, viu”. Essa mulher lidera muitas outras que perderam alguém querido para o tráfico: marido, filh@, familiares, amigos. O que mais me emocionou foi uma cantiga que essas mulheres, em protesto, cantaram em frente a uma igreja. A música falava que, apesar do tempo ter passado e da ferida ser antiga, as mães sempre estarão esperando seus filhos com as portas abertas. E mesmo que esse dia não chegue, elas mantêm a esperança e o amor que apenas uma mãe pode sentir pelo seu filho... E vi como isso se aplica à minha família também... Que minha mãe nunca desistiria de mim, independente de saber se eu voltaria ou não...
Enfim, pode-se tirar várias conclusões e várias perguntas desse filme. Exemplificando as truculentas ações da polícia no Rio, temos a intervenção militar, que ao invés de diminuir mortes, tiros e drogas (como o prometido) aumentaram as mesmas. Após 10 meses de intervenção, o que tivemos? Atos violentos com ao menos 3 mortos subiram mais de 86%; o número de armas apreendidas diminuiu 36,5%; mais de 4 mil tiroteios (de acordo com esse site  https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2018/07/16/com-intervencao-ocorrencias-com-mais-de-3-mortes-no-rio-sobem-e-apreensoes-de-armas-caem-diz-estudo.htm) . Vejam que bons resultados! E os moradores de periferia, apesar desse cenário crítico, continuam resistindo com música, com poesia, com enfrentamento. Que faremos perante o que vem aí? Seremos capazes de combater Mirapólvora com Miraflores?
Quanto ao México... Bem, não gostei muito dessa parte. Sabe por quê? Porque “legitima” o uso de armas, já que os moradores, buscando fazer justiça com as próprias mãos, pegam nas mesmas... E será essa a solução, Boçalnaro? Fazer isso só aumentou a violência, as mortes (tanto de um lado como de outro). Como vocês, da direita, gostam MUITO de falar em “copiar modelos” para o Brasil, copie e cole esse! Liberou armas? Mais violência. Mais morte. Mais caos. O número de mortes, principalmente de mulheres, negr@s e pobres vai subir, e MUITO... Legitima-se a causa e nega-se as consequências, como vocês muito têm feito, fechando os olhos para coisas tão óbvias que chega a ser tosco.
Achei corajoso e inspirador, também, os jornalistas autônomos que realizaram as filmagens sem medo. Sem medo da repressão, sem medo do porrete, sem medo da bala, sem medo da mordaça. Acho que devemos levar isso como lição de vida: apesar das dificuldades que a vida nos impõe, é preciso enfrentá-la. Dizer não à mão que tapa nossa boca, nos impedindo de falar e gritar o que sentimos; dizer não à mão que fecha nossos ouvidos, nos privando dos sons e do exterior; dizer não à mão que insistentemente tapa nossos olhos com firmeza, para nos deixar cegos, com medo, resignados e submissos. Dizer não, enfim, a esse governo de merda que, mesmo ainda não tendo tomado posse, já causou tantas mortes e tantos estragos. É isso que precisamos para a vida. Resistir até o último suspiro.