domingo, novembro 20, 2016

Cenas do Cotidiano IV

 Cenas do Cotidiano IV

Biblioteca do Colégio Geração, Florianópolis, SC, logo depois do meio dia. No dia seguinte, nossa turma teria trabalho literário e eu havia reunido meu grupo para discutirmos nosso livro, escolhermos a dedo nossas falas e treinar para uma boa apresentação e consequentemente uma boa nota. Ensaiamos, anotamos, discutimos e conversamos, chegando a falas que todos concordavam e que satisfazia a vontade do grupo.
Depois de muito tempo, quando já havíamos acabado e decorado tudo, fomos fazer as tarefas. Interrompidas por vozes alteradas, que pertenciam à Nessie (Vanessa, bibliotecária; Nessie é o apelido que dou para ela) e mais um aluno, pelo jeito descontrolado, achando que o que realmente valia de sua personalidade eram cifras, ou seja, seu dinheiro. Lembro-me da conversa, era mais ou menos assim:
_Eu pago esta escola, não pago? Tenho o direito de estar aqui, tanto quanto você!
_Você tem o direito de ficar aqui em silêncio. Em toda biblioteca é assim, ou nunca visitou uma?
_Já visitei, sim! Várias, por sinal! Fui à Biblioteca mais importante do estado, se tu queres saber!
_Mas não parece, ou foi expulso daquela também? A biblioteca que tu mencionaste não é a mesma daqui. Temos regras como qualquer biblioteca, regras que você não sabe respeitar. Pare de me conversar e saia logo daqui! Está atrapalhando o estudo dos outros!
-Cuidado com o que fala! Eu vou falar com a diretora!
_Fale, fale, e não se esqueça de dizer a ela para ver as filmagens de seu desrespeito.
O garoto dá as costas para Nessie, sai pisando duro e bate a porta com um estrondo. O desrespeito dele foi muito grande, e a pobre Vanessa não merecia isso. Sentou em sua cadeira, tentando parecer calma. Eu ainda não entendia como o desrespeito de alguém por um igual pode ser tão grande, mais valendo novamente o dinheiro que tem. A pessoa não é mais pessoa: é apenas um valor, uma cifra de conta bancária. Aliás, esse é um padrão que se repete em todas as escolas que estudei, em várias cidades das quais morei. Será que a escola apenas reproduz este estereótipo do mundo, com o perfil de aluno? Sempre os mesmo padrões? A escola não deveria acabar com isso, criando novos valores, com mais cultura, respeito?

Saindo dos muros da escola, minha experiência também se aplica ao mundo de hoje. Em qualquer lugar, cidade e loja, as pessoas mais bem vestidas, com o melhor carro, que tem uma aparência melhor, são sempre as mais bem tratadas, mais bem recebidas e atendidas pelos vendedores, sempre com a preferência. O mundo é realmente um amontoado de cifras, reproduzido pela escola e reforçado pela humanidade.