sábado, abril 02, 2016

Diferentes maneiras de se amar

Diferentes maneiras de se amar
Tudo começa com uma praia, onde a água era quentinha e as ondas, magníficas. Estou falando da praia da Barra da Lagoa, em Florianópolis. Saímos de casa numa manhã de domingo, com o tempo a nosso favor. Tudo estava perfeito, fora o caso de eu estar com queimaduras vermelhinhas de Sol por todo o corpo, principalmente nas costas, pernas e rosto. Mas quando o assunto é praia, eu jogo tudo para o alto e não me preocupo com mais nada. Minha mãe, armada de tênis nos pés estava pronta para caminhar. Eu e meu pai, munidos com uma prancha de Body Board, prontos para surfar até o último milésimo de segundo.
Despedimo-nos, e minha mãe se foi. Meu pai e eu, depois de nos alongarmos, testamos a água. Como era quente! Não excitei. Fui correndo para dentro, com prancha em mãos. Fomos até o fundo. Não sei quantas ondas havíamos passado, nem de quantas levamos a maior surra. Só sei que a calmaria chegou. Resolvi testar uma onda. Não era tão forte assim, mas o legal era que, depois que a onda quebrava, outra vinha por cima e dava força. Agora, que abria uns tubinhos, abria! Cada onda perigosamente bela... Elas explodiam com toda a força em cima de mim e de meu pai, mas logo notei que era melhor mergulhar abaixo e deixar a prancha presa com a cordinha, que, aliás, meu pai havia arrumado no dia anterior. Passamos uma, duas, três. Vimos à oportunidade, e meu pai me empurrou. Não peguei o tempo da onda. E assim passou uma, duas horas. Adivinhe quantas ondas mediamente “boas” que eu peguei? Duas. Apenas duas. Vi meu professor de Educação Física, o professor André. Ia pegar onda, também. Dei um “olá” no meio de engasgos, porque eu havia engolido muita água salgada. Ele disso “oi” e foi para o fundo. Voltei com meu pai. A borracha da cordinha da prancha havia arrebentado. Meu pai consertou. Teve de fazer isso uma, duas, três, quatro vezes, até minha mãe chegar. Tomei, além de mais água, coragem. E fui para o fundo. Depois que eu e meu pai nos esborrachamos, fomos para a areia como uns cachorrinhos assustados: com o rabo entre as patas.
Depois que chegamos a casa e almocei, eu deitei. Mas não para dormir, como os meus pais. Deitei para ler, acabar o Último Olimpiano, de Percy Jackson, do Rick Riordan. Comi uns amendoins, e comecei a sentir-me mal. Dor de cabeça, dor na região da barriga. Contorcia-me de dor. Meus pais acordaram e notaram que eu não estava tão energética como de costume. Acharam que era cansaço, e colocaram-me para dormir com o ar-condicionado ligado. Eu não conseguia dormir. Tinha frio nos pés e mãos e calor no corpo. Estava com febre de quase trinta e oito graus. Fizeram-me compressas de pano frio, e minha mãe ficou comigo até meus olhos se fecharem. Depois que eu passei a noite com febre de aproximadamente quarenta graus, tomamos uma decisão. No dia seguinte, eu e meu pai fomos num posto de saúde, mas esperamos para sermos tratados pior que lixo orgânico. Fomos para UPA, que é uma Unidade de Pronto Atendimento. Lá, consultamos com uma pediatra que receitou remédios e disse que eu estava com virose. A praia em que fomos era poluída, e interligamos os pontos. Tomei os remédios como indicado e hidratei-me, com água e água-de-coco direto da fonte. Delícia! Logo, eu estava melhor, apesar das dores de cabeça ser frequente e de, às vezes, as letras dançarem samba pra fora do papel. Achei que, por esse mês, chegava, depois de tanto sofrimento. Mas é claro que eu estava errada.
Na quinta-feira feira, último dia do mês, fiz besteira. Por que eu resolvi mexer com aquilo? Por quê? Meu pai foi para sua escola, resolver uns assuntos, e minha mãe estava por perto. Resolvi, depois de fazer o pão e finalizar os deveres, fazer um agradinho. Seria produzida uma cartinha superfofa em formato de coração. Primeiro passo: cortar o coração. Então lembrei que, nos gibis, os personagens sempre cortavam com uma faca seus papéis. Resolvi testar. Peguei um papel ofício, e levei para a cozinha, na mesa de mármore. Qual faca eu utilizaria? A mini faca? Não. Para cortar bem, tinha de ser uma faca grande. E afiada. Peguei uma faca de trinta centímetros, que o papi (uma maneira de dizer “pai”) usava para cortar repolho. Posicionei e comecei a cortar. A faca escapou de minha mão direta e acertou meu dedo médio, ou o do meio. Não queria ver. Esmaguei o dedo e corri para o banheiro. Enquanto eu corria, notei que minha mão que tapava o corte estava encharcada. Mas eu não tinha mexido em água. Estava empapado com meu próprio sangue, gotículas escorrendo e caindo nas portas, rodapés, paredes e chão. Quando cheguei ao banheiro, abri a torneira e deixei escorrer. Respirei fundo e vi o machucado. Eu havia cortado, praticamente, uma tampa que pegava pele e unha. Sangue escorria e meu dedo latejava. Peguei um maço de papéis higiênicos e cobri, um pouco para não ver e outro pouco para estancar o sangramento. O pedaço ficou encharcado de vermelho com a mesma rapidez com que encharcou minha mão.
Depois que enxugou um pouquinho (minha nossa, quanto sangue minha mão tem!), resolvi tapar com papel toalha. Peguei o resto que tinha, e comecei a limpar a bagunça. O pano da pia ajudou-me a enxugar o sangue das portas, paredes e rodapés, mas o chão não ficou muito bem limpo. Abandonei o pano e parti para o banheiro. Por um breve momento, ri sozinha. Parecia que o banheiro era uma cena dos filmes de terror, em que um mata o outro e o sangue fica nas paredes. Igual ao um homicídio. Foi hilário. Mas peguei mais papel higiênico e limpei o melhor que pude. Depois que fiz isso, de raiva, joguei o coração fora, pois o meu estava dolorido e raivoso. Guardei a faca, tomando cuidado para não me cortar de novo. O sangue não parava de escorrer. Eu estava entrando em pânico. Resolvi alertar a mómi (outro jeito de falar “mãe”, na nossa família). Mas como, se eu nem fiquei com nenhum celular? O notebook era minha última esperança, ates que eu abrisse a porta e chamasse a ambulância. Liguei-o, pois estava desligado por causa de raios que estavam caindo. Esperei impacientemente nervosa. Ligou! Abri meu e-mail e fui ao bate papo. Nossa conversa rendeu uma explicação: “enrola o dedo no papel higiênico e faz pressão que estanca o sangramento”. Detalhe: eu já estava fazendo isso. Mamãe disse para esperar que logo ela estivesse em casa, junto com o pai. Pelo menos um adulto estava sabendo. Eu estava aliviada, porém, tensa. Pesquisei sobre hemorragias (foi besta da minha parte, mas eu estava louca de desesperada eu não sabia o que pensar, e, além disso, eu estava sangrando muito, OK?), sobre como estancar pequenos sangramentos (o que não me adiantou muito, pois era para feridas com agulha) e sobre alguém que cortou o dedo fora. Desisti e hibernei o notebook. Logo o pai chegou, seguido de minha mãe. Compraram gaze, esparadrapo e um spray antisséptico anestésico para o dedo. Limpei-o com sabonete, coloquei soro fisiológico, minha mãe fez um curativo bonitinho para mim. E assim estou até agora, sem poder nem teclar direito. A unha cortada está apodrecendo, mas ainda tenho esperança que a carne ainda vai grudar.
Meu pai ajudou com a virose e com o dedo, me enchendo de amor. Minha mãe também, com aquele jeitinho especial. Vai dizer que, deste jeito, não tem como se sentir cheio de carinho e amor, rodeado pelas pessoas que você mais ama?