quinta-feira, março 22, 2018


Vivenciando a violência de gênero

Já faz tempo que eu leio o blog da Lola. Leio o tempo inteiro sobre machistas, reaças, casos de desrespeito, estupro e relatos de outras mulheres sobre o assunto. Porém, ler é uma coisa. Sentir na pele é outra. Isso é bom e ruim; bom porque sei que é realidade, que coisas assim acontecem nessa, em escalas mais leves e mais pesadas. Ruim porque é, infelizmente, realidade, e precisamos conviver com ela mesmo não concordando. Mas afinal, o que aconteceu?
Ontem, como sempre, ao fim da tarde, eu e minha mãe fomos nos exercitar na Beira-mar Norte: caminharmos, conversarmos e jogarmos frescobol. Costumamos caminhar do único trapiche da Beira-mar até a Direto do Campo (ou mais, se nos der vontade); conversamos sobre tudo, menos sobre qualquer coisa; e eu simplesmente adoro jogar frescobol numas quadras de areia que a prefeitura construiu. Saímos ontem com o intuito de fazer as três coisas, mas com foco no jogo.
Fomos nas quadras (torcendo para que alguma estivesse vaga), porém, torcer não adiantou. Estavam ocupadas, mas em uma ainda não havia ninguém jogando: estavam apenas ocupando o espaço. Pedimos com educação se poderíamos ocupar metade da quadra para os jogadores bombados do futevôlei. Tudo bem, poderíamos ocupar metade da quadra. Mas sabe aquele tipo de pessoa que te dá permissão para fazer tal coisa e não dá as condições? Jogamos um pouquinho e, assim que mais um jogador chegou, eles foram nos empurrando cada vez mais para o cantinho da quadra. Percebemos que queriam a quadra inteira, não só metade, e como eles já estavam antes... Mamãe me coagiu a ceder o espaço, e a contragosto, fomos jogar na quadra de areia perto da Direto do Campo. Até aí tudo bem. Saí contrariada pois não achei que deveria sair, uma vez que tinha permissão para jogar na metade da quadra. Mas a boa educação é uma coisa, não? Saímos de boas.
Hoje, quando saímos novamente (e torcendo mais uma vez para que as quadras estivessem vagas), tivemos sorte. Em uma das três quadras tinha alguém ocupando para um provável jogo futuro. Na outra, jogadores de beach tennis. E uma... Ufa! Vaga. Jogamos, cortamos, buscamos a bolinha, divertimo-nos. Passou-se um tempinho assim, na felicidade, curtindo o esporte e a companhia uma da outra (mãe, te amo viu?). Mas a alegria dura pouco... Logo, os bombadões chegam de novo, e por uns cinco minutos se contentaram em jogar na metade que não estávamos ocupando. Passado os cinco minutos, eles simplesmente invadiram a nossa metade da quadra, dizendo pra gente sair, que naquela quadra era preferencialmente (eles não sabem o que significa preferencialmente, só pode!) de futevôlei, que deveríamos ir na de beach tennis, que nem tinha quadra pro que a gente jogava... Olha, que desrespeito viu?!
Minha mãe tentou explicar que não era burra: entendia o que eles queriam dizer, e argumentou que, como sendo construção da prefeitura, era obrigatoriamente espaço PÚBLICO, para todas as pessoas, para todas as modalidades, pra negro, pra branco, pra rico e pra pobre. Mas discutir com HOMENS BOMBADÕES ALIENADOS E MIMADOS não dá, não? Para não arrumar encrenca, saímos do nosso lugar e pedimos EDUCADAMENTE para ocuparmos outra metade da quadra, enquanto o jogo de vôlei não iniciava. E para sairmos, não precisou de ninguém para nos expulsar.
Voltamos para casa com o sangue á cabeça. Sabe por que aqueles trouxas fizeram aquilo? Porque somos MULHERES e porque foram mimados desde que saíram da barriga da mamãe. Afinal, onde já se viu duas mulheres ocuparem um espaço reservado apenas para machões que acham que músculo compensa a falta de cérebro e que o principal componente da vida deles é o que tem no meio das pernas? Faça-me o favor!
Lola, obrigado por me preparar para sentir raiva. Mãe, obrigado por continuar me dando bons exemplos e não desista sem lutar. Bombadões, obrigada por fazerem o que fizeram: assim, provam que são machistas, idiotas e preconceituosos, além de darem impulso para o que eu escrevi com muita raiva. Eu não vou aceitar isso dessa maneira, e quero que saibam que não fui feita para seguir ordens, muito menos de vocês. Talvez isso renda um bom enredo de outro livro (depois do Formigas), embora eu não goste de escrever sobre coisas que me enraivecem e entristecem. Mas é a vida, e precisamos estar armados para sobreviver à ela.