A grande batalha
Tudo começou naquela noite fria, tempestuosa.
Eu estava com meus colegas num quartinho com muitas camas de beliche duplas.
Ninguém estava conseguindo dormir, pelo barulho das asas de corujas e pela
ventania que balançava as janelas, prestes a se quebrarem. De repente, as luzes
se ligaram de uma hora para outra e tudo pareceu mais quentinho e confortável.
Nisso, uma menina soltou um grito agudo, e todas as cabeças se viraram para o
beliche onde ela estava perto do nosso armário aberto. Aberto? Nós nunca
deixamos o nosso armário... Espera aí! Nossas roupas haviam sumido! No lugar
delas havia uma espécie de elevador com minha professora do 3º ano, a Rute
Vargas de Rio do Sul. Todo mundo ali presente ficou surpreso, ainda mais depois
que ela tirou um monte de roupas de guerra do bolso. Então ela falou:
- Boa noite! Espero que estejam bem
descansados, pois têm uma longa batalha pela frente. Eu vou ser a
"assistente" de luta de vocês, vou mostrar suas armas, o campo de
batalha e a prova final. Chegando ao subterrâneo, vou separar vocês em dois
grupos. Um ataca algo e o outro defende aquele algo. Entendido? Agora, quero
que vistam essas regatas, essas calças suplex para as meninas, para os meninos
calças folgadas nas pernas e essas botas. Alguma dúvida?
-Não!
Todos
responderam em coro.
Acabei
de me vestir me sentindo mais animada, parecendo um general de guerra. Havia
muito tempo que eu estava lendo livros de aventura e sonhando em realizar uma.
Essa era minha chance. Meus colegas, acabando de se vestir, entraram no
elevador mágico. Chegando a uma salinha, minha professora disse:
- Escolham suas armas. A batalha começará em
breve.
Dito
isso, ela estalou os dedos e a sala se encheu de armas de fogo, facas,
canivetes, espadas, escudos... Toda espécie de arma tinha lá. Meus colegas
quiseram as armas de fogo, paralisador instantâneo e outras coisas de guerra
mais, digamos, sofisticadas. Eu escolhi apenas uma faca curva grande de caçador e um canivete. Com
todos armados, entramos no elevador mágico e descemos até um campo bem amplo,
com duas goleiras nos cantos. Vendo na cara de alguns colegas meus o espanto e
a dúvida, a professora falou:
- Bem, é aqui que vocês vão lutar. Depois de
passar pelas duas fases, vou escolher uns quatro de vocês para ir para a prova
final. Se um de vocês conseguir passar pela última fase, vão ganhar um presente entre uma bicicleta,
1.000,00, um kit completo de cientista, a espada original de Gryffindor, a
coisa que vocês mais querem na vida e,
principalmente, uma vassoura voadora, uma Firebolt, que nem do Harry Potter. Se
algum de vocês já leu o livro, vão saber do que eu estou falando. Bianca, você
já o leu?
-Sim,
professora-assistente-de-guerra-que-eu-nunca-vi. Li toda a coleção.
-Hunf.
O.K., Bianca. Parabéns. Mas agora, vamos começar a luta? Estão todos prontos?
Vou separar os grupos. Grupo 1: Bianca, Enzo, Ana Luiza, João, Neemias,
Gabriela e Ricardo. Grupo 2: Dudu, Taís, uma menina que eu não sei o nome que
tem o apelido de Lagartixa, Sandra, Filipe, Kelly e Luzia. Agora, posicionem-se em locais opostos do
campo de batalha. Vou realizar uma contagem regressiva. Quando eu disser zero,
o grupo um vai atacar o grupo dois. Atenção grupo dois, vocês vão defender esse
pote de ouro e rubi. Grupo um, vocês vão tentar pegar o pote de ouro e rubi do
grupo dois. Dez, nove, oito, sete, seis, cinco, quatro, três, dois, um e ZERO!
QUE SE INICIE A LUTA!
Dito
isso, o meu grupo atacou o outro. E até que minha faca curva fez sucesso!
Arranhei um, cortei a bochecha de outro, arranhei o dedão do pé de outro... Mas
também cortei a mão fora de um menino (eu não tinha prestado atenção em quem
era) que me arranhou, com uma espada, o cotovelo. Depois, percebi que ninguém
mais tinha vindo me enfrentar, pois achavam que eu estava derrotada, morta. Mas
não. Vi que o outro grupo tinha colocado o pote de ouro em cima de uma goleira,
então fui lá, saltei uns dois metros no ar e peguei o pote de ouro. Nesse
momento, a professora apitou como um juiz de jogo de futebol, indicando o fim
da luta. O nosso grupo tinha ganhado.
-Agora...
Começou a professora.
-... Vocês, grupo um, vão capturar aquela
menina-que-eu-não-sei-o-nome-que-tem-o-apelido-de-Lagartixa. Se o grupo dois
não conseguir defender a menina-Lagartixa, vocês estarão desclassificados. QUE
SE INICIE A LUTA MAIS UMA VEZ!
Mas
essa luta eu não tive tanta sorte quanta a primeira. Eu não salvei a pátria
capturando a Lagartixa. Bem pelo ao contrário. Eu sabia que eu e o Ricardo
lutamos melhores do que qualquer integrante do grupo. Juntos, éramos
invencíveis. Mas, lutando com aquele garoto que tinha arranhado meu cotovelo (o
estranho é que meu cotovelo estava novinho em folha, e a mão dele tinha se
reconstituído de uma luta para a outra!) minha faquinha curva de caçador tinha
quebrado a ponta. Mas eu ainda tinha meus golpes de karatê. Com apenas um
chute, aquele menino havia desmaiado. Então corri até onde a Lagartixa estava e
a prendi. Mas né que uma simples Lagartixa é forte? Ela se debateu e escapou.
Sorte que o Rick estava perto de mim o suficiente para ver o que aconteceu. Ele
me ajudou a segurar a Lagartixa enquanto ela se debatia. O som do apito soou
mais uma vez, indicando a nossa vitória. Então a professora disse:
-Bom
trabalho, grupo um, bom trabalho! Agora eu vou escolher quatro pessoas para ir
para a próxima fase. Vamos ver... Bianca, Ricardo, Gabriela e Ana Luiza. Venham
comigo pelo elevador escolher outras armas. Essas aí não serão úteis para a
próxima prova.
Descendo o elevador, entramos em uma salinha
cheia de areia no chão, mais parecia com um campo de vôlei de praia. É claro
que, novamente, o Rick, a Ana e a Gabriela pegaram as armas mais sofisticadas
de novo. Eles já estavam entrando pelo elevado mágico, mas a
professora-assistente-de-batalha viu que eu ainda nem tinha escolhido uma arma.
Tratei de me apressar na procura de uma arma. Depois, jogada no chão, meio
enterrada, havia uma garra daquelas máquinas de garra com um cabo de aço
pendurado na ponta. Achei que fosse útil, e como eu ainda tinha o meu
canivetezinho, estava segura. Levei a garra (ultraleve) para dentro do elevador
e descemos mais um pouco até chegar a uma caverna subterrânea assustadora com
um lago verde, gosmento, borbulhante.
-Bem,
vocês devem ter achado um pouco nojento o lago. Mas é assim mesmo. Vocês terão
que passar por esse lago sem se molharem. Há monstros aí e eles são carnívoros.
São muito imprevisíveis. Às vezes comem, às vezes mantém como prisioneiro...
Nunca se sabe. Mas terão que passá-lo. Quando passarem este lago verde, acharão
um azul. Nele, vocês terão de encontrar um diamante verde, também. Mas cuidado!
Ninguém poderá encostar a mão na água azul, pois ela é tóxica. E um aviso para
quem trouxe espadas. O lago azul derrete qualquer tipo de metal e plástico.
Cuidado. Dessa vez vão fazer sozinhos. Cada um por si e nada de duplas, trios,
grupos... Adeus e se cuidem. Quando alguém tocar o diamante, vou ser avisada.
Dizendo isso, ela desapareceu. E como ela
disse cada um por si. Agora não tinha ninguém para nos socorrer caso nos
machucássemos. Olhei para meus companheiros para ver o rosto deles, mas percebi
que a Ana Luiza tinha paralisado, a Gabriela estava desmaiada e o Rick tinha
uma expressão de aventureiro no rosto. Dei uns passos e passei para o outro
lado do rio verde. Virei-me para trás para ver como o Rick estava se saindo,
mas ele não estava mais lá. Estava no meio do lago verde, em uma gaiola, sendo
vigiado por monstros muito esquisitos. Ele tentava se defender com sua arma de
fogo, mas o tiro não acertava os monstros. Eles se dividiam em dois onde eram
para ser acertados e se juntavam novamente como massinha de modelar. Agora só
tinha eu. Depois de meia hora (o que pareceu uma eternidade) de caminhada pelo
rio verde, sua cor foi mudando, mudando, mudando até ficar azul. Tinha achado o
lago do diamante, e o diamante também! Na margem do lago, havia um rubi verde,
brilhante... E só para comprovar o que a professora havia dito, joguei meu
canivete de metal no rio azul, que se dissolveu na hora. Então mirei minha
garra de ferro e joguei no rio. Não se dissolveu como eu esperava, e consegui
agarrar o diamante. Nesse momento, a professora apareceu e estalou os dedos,
sem dizer uma palavra. Estalou os dedos e uma bicicleta Caloi, aro 24, 21
marchas, com buzina e espelhinho apareceu. Era o meu prêmio. Segurei a
bicicleta por instinto e desapareci, reaparecendo naquele quartinho com camas
de beliche duplas, com o vento prestes a quebrar as janelas de madeira, com o
barulho das asas das corujas deixando a maioria dos meus colegas dormindo com
medo. Todos eles não tinham um único arranhãozinho sequer na pele, o Rick
estava lá e minhas companheiras medrosas também. Olhei minha cama de beliche
vazia, larguei a bicicleta e deitei, com as mesmas roupas de batalha que tinha
usado antes.
Então
acordei, no meio da noite, certa de que tinha sido só um sonho. Um sonho ou um
aviso? Isso eu não sabia. O quartinho tinha desaparecido, as camas de beliche
também. Só havia eu na minha cama de casal, no apartamento, no meu quarto. Ah,
e a bicicleta, eu a ganhei, linda como sonhei, de presente de aniversário do
meu décimo ano de existência!
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