Maldita
lei de Murphy
Mais
uma vez, acabamos numa trilha. E que dia ruim! Desde manhã cedinho,
começamos com o pé esquerdo. O vaso sanitário estava entupido, e o
ninguém conseguia desentupir. Quando meu pai, furioso, conseguiu,
começou a vazar água. A trilha, segundo ele, estava completamente
arruinada. Mas minha mãe, insistente! Conseguiu convencê-lo. Facão,
água, livro. Iríamos para a trilha que leva a praia do Saquinho,
porém, seguiríamos e sairíamos na praia Naufragados, fazendo a
trilha ao contrário, pegando um ônibus, almoçando num restaurante
(o Engenho do Vô estava na “mira” de minha mãe) e voltando ao
carro. Quase não fizemos nada disso.
Meu
pai cheirava a álcool e desinfetante, tentando limpar o banheiro.
Isso aprofundou seu mau humor. Passando pela praia Morro das Pedras,
vimos como a ressaca estava forte. Ondas gigantescas se erguiam e
arrebentavam contra as enormes pedras. Nenhum corajoso se aventurou
naquelas gigantas. Na praia da Solidão, elas estavam mais pequenas,
como filhotes de gigantes. Mais tardar notamos que a praia de
Naufragados não tinha mais praia. Era só mar, quando as ondas
vinham mais e fortes.
A
trilha para o Saquinho era fofa e cândida. Tinha um caminho
asfaltado, vista bonita… Logo chegamos ao destino: a casa do Sr.
Adaílson. Adaílson era um homem, já idoso, que havia sido
empresário. Largou tudo, cuidou dos filhos e família. Resolveu
cortar os laços com o mundo, com a humanidade. Isolou-se, e provou
que é possível viver mais com menos. Diz que devemos obedecer os
“sinais” de quando nos cansamos do mundo, e buscar um outro
refúgio. Acha que todos os seres merecem ser respeitados: todos eles
são naturais. Menos o homem, que é um erro e um bicho estranho.
Adaílson
havia emprestado um livro para meu pai, de Dennis Overbye, e agora
íamos devolver. Conversamos com Sr. Adaílson sobre como era morar
assim, longe de tudo, sem apegos, isolado. Meu pai, que sempre quis
viver assim, foi o que mais prestou atenção. Sem dúvidas: o que
Sr. Adaílson falou afetou ainda mais meu sonhador pai.
Depois,
pedimos informação no Bar do Quirino, que Sr. Adaílson nos indicou
para coletar informações. Falaram-nos que a trilha estava roçada,
os pontos encharcados com passagem. Falaram-nos, também, que teria
uma bifurcação, e que nela deveríamos rumar a direita e subir.
Depois descer. Deram-nos um mapinha feito instantaneamente! Isso
facilitou as coisas.
Andamos
um pouquinho e olhamos para o mar: eu gritei GOLFINHOS! Vimos vários,
indo e vindo, como uma onda no mar. E depois, mais surpresas! Sem
mira, fiz um corte com o facão numa árvore. Depois vi o facão
manchado de uma coisa branca, como se fosse sangue tingido. Olhei
para a árvore e vi seiva branca escorrendo pelo tronco. Eu havia
acertado uma árvore seringueira! Nunca tinha visto isso na
minha vida… Segundos depois, atingi uma outra: esta não era uma
seringueira, mas ostentava seiva. Logo começou a pingar no chão,
grudenta como cola…
Chegando
na tal bifurcação, o mar estava perto. Muito perto. Vi uma praia de
pedras, as ondas tamanho GG levantando-se e morrendo. Pegamos o
caminho correto e subimos. Subimos. Subimos… Subimos MUITO. Depois
de meia hora, quarenta minutos, chegamos ao topo e descemos. Minhas
pernas reclamavam por descanso, meu estômago, por comida. Chegamos
na casa de uma senhora, que varria o pátio. Simpática, a Sra. Vera!
Nos convidou a entrar e conhecer sua casa, seu terreno, tomar um copo
d'água, conversar… Foi muito gentil da parte dela. Nos falou sobre
sua vida, como era viver assim. Atiçando ainda mais o interesse de
meu pai…
A
Sra. Vera nos contou que, volta e meia, pessoas queriam tirá-la de
lá. Como seu parente, conhecido como “Del Maluco” (passamos pela
casa dele, onde vimos uma miniatura de cão que se intitulava
PittBull)Ela contou-nos, também, que a praia era limpa por culpa sua
e de outros moradores, que coletavam lixo e reutilizavam. Mostrou-nos
seu tapete feito de sacolas de lixo, muito bonito, seu caminho para
casa feito de tampinhas de garrafa e latas de cerveja e uma linda
guirlanda fabricada de conchinhas do mar. Sua casa tinha um cômodo
em cima e um cômodo embaixo. Embaixo era cozinha, rústica e
aconchegante. Em cima era seu quarto, bagunçado, com decorações de
criança. Achei muito fofo, principalmente a varanda. Um pedaço de
tábua, sem proteção, estendido pelo chalé. Muitas plantinhas em
vasos e baldes estavam plantadas na terra, de um jeito tão delicado
que só vendo. Era a casinha de “bruxa” a casinha dos sonhos.
Descemos
e deparamo-nos com a praia. Ops! Eu disse praia? Perdão! Não tinha
praia, havia apenas o mar. Ele engolia a areia, os caranguejos, a
sujeira… Quase chegava a casa das pessoas. Tiramos os tênis
(depois de um cachorro babar em mim e sujar toda a minha blusa com
suas patas “mas era fofo!”) e preparamo-nos. Corremos mais do que
nossas pernas poderiam aguentar. Minha mãe, coitada! Um espinho
ficou enamorado com seu pé. Mas, sei lá o porquê, mamãe não
gostou desta junção…
Lavamos,
secamos os pés e colocamos os tênis. Abrimos os Cookies, mas eu
queria pastéis. R$4,00 não fariam diferença, fariam? Não
compramos, o que foi um erro. Brava, fui na frente da trilha.
Correndo, logo cansei. Esperei e logo pedi para que me esperassem.
Céus, quando saímos da trilha… A fome estava gigantesca, como
aquelas ondas que vimos no Morro das Pedras, Saquinho e Naufragados…
Acabando
a segunda trilha, procuramos um restaurante, meio a vista. Achamos?
Nem em sonho, muito menos em pesadelo. Andamos pelo asfalto, o que me
pareceu horas, até um ponto de ônibus. Foi-nos informado que
restaurante ali era piada, e que o ônibus não tardaria a chegar.
Esperamos. Era mais de 15:00 quando ele chegou, balançando de um
lado para o outro. Pegamos condução e seguimos. Chegando no
restaurante, mortos de fome, adivinhe? Contemplamos a placa de
FECHADO. Pegamos outra condução (depois de perder uma) e fomos para
o carro. Era mais de 17:00 quando ficamos no calorzinho de um
ambiente fechado…
Tomamos
coragem e saímos do carro, para um restaurante. O lado bom é que
economizamos: a janta era nosso almoço e nossa janta. Fomos no Bar
do Arante, comemos bem (camarão, pirão, arroz, feijão, saladas…)
e saímos de barriga cheia. Achou que o dia acabaria assim? Que nada.
A coisa podia dar errado e deu. Pegamos um congestionamento
gigantesco para voltar para casa, como as ondas que vimos nesse dia.
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