A
Trilha do Cambirela
Novamente,
a curiosidade de minha mãe fez o texto que conto para vocês. Como
já lhes disse, queridos (as) leitores (as), minha mãe tem uma
paixão incomparável por trilhas. Desta vez, seu coração a atraiu
para uma montanha conhecida, que faz divisa entre Palhoça e Santo
Amaro do Imperatriz, que fica na Serra do Tabuleiro. Adivinhou? A
paixão foi ao Cambirela, que tem 1.043 metros de altura. A visão de
cima é melhor que a do Google Maps! Só que, para ter esta visão, é
necessário muito mais do que uma câmera com alguns “cliques”!
Hmm, farejei a curiosidade. E ela vem de você. Quer saber como foi?
Acompanhe-me!
Depois
de vermos algumas informações na internet
sobre a montanha, decidimos que, para montanhistas amadores como nós,
seria mais seguro ir pelo caminho sem tantos obstáculos. Segundo o
tio Google,
o caminho certo seria a Trilha 1, a mais curta. Todas elas tinham
escalada. Sobre a Trilha 3, não havia relato algum. As mais famosas
eram a 1 e a 2, que possuía escalada e era a mais comprida. Fomos
pela 1.
Seguimos
pela BR 101, no sentido sul – Florianópolis - Garopaba. Levamos
mais ou menos uma hora para ir do Centro de Florianópolis até a
estradinha que ligava ao acesso da trilha, pouco depois do Km 222.
Essa informação nós encontramos na internet e somos gratos ao
homem que a publicou em seu blog, já que ela estava correta e nos
levou ao lugar exato do início da trilha. Aqui, aliás, destaco a
importância de as pessoas terem consciência e responsabilidade em
publicar coisas na internet. Não foi uma única vez, em nossas
andanças, que seguindo informações publicadas na net, constatamos
que as mesmas estavam erradas. E isso nos custava tempo, desgaste...
Então, penso que se alguém publica algo na rede, deve publicar com
responsabilidade, prestando, assim, um serviço a quem vai buscar
determinada informação, e não o contrário. Voltando a nossa
aventura, nos deparamos com algo sobre o qual não havia informações
na internet.
Precisamos PAGAR o estacionamento. Antes fosse por motivo. R$10.00?
Não estávamos preparados. Na carteira havia apenas R$9.40. Pagamos
com o que tinha, e felizmente foi aceito, mesmo ficando devendo
R$0.60.
A
simpática moça nos indicou o começo da trilha por um caminho
poeirento de terra. Os cachorros que a mesma mantinha nos
acompanharam latindo, mas logo desistiram. Nos alongamos bem, de tudo
quanto é jeito: costas, braços, antebraços, pescoço,
gastrocnêmio, perna. Que comece a trilha. Começamos a caminhar.
Passamos por uma pequena floresta de Pinus (Pinus Elliottii), e
entramos em mato fechado. O início foi bonzinho conosco: o caminho
não era tão alagado, a trilha, razoavelmente reta e as subidas,
poucas. Mas logo começou: subiu, subiu, subiu. Se eu cansava só de
olhar para o morro, imagine estar no morro.
Não
foi tão complicado assim no início. Nós parávamos, de vez em
quando, para tomar água ou pegar um graveto, vez por outra brincando
entre nós. Chegamos numa árvore caída, mas viva, cheia de
pichações. Dezenas de nomes escritos a faca, facão e canivete.
Pobre árvore, para suportar tantos cortes. É um ser vivo, afinal. E
nenhum deles merece sofrer. Brincamos com ela. Descansamos sob a copa
das outras, e, por estar caída, nos deu assento para descansarmos.
Logo,
pulamos sobre ela e prosseguimos. Andamos, andamos, andamos, andamos.
Logo, começou a subir mais. Mais e mais. Ainda bem que havia raízes
e cipós para nos segurarmos, fora o solo que era compactado e não
escorregava sob nossos pés. Chegamos a uma pequena, minúscula fonte
d'água. Tentamos encher os litros d'água, mas… Sem sucesso. Era
pequena demais. Um pouquinho mais para frente, achamos outra.
Novamente, pequena. Mas possuía um cano: água diretamente da
montanha. Não pegamos, pois ainda havia da nossa que havíamos
trazido, uns bons quatro litros.
Subimos
mais. Eu, sempre na frente. Estava me achando a “EmBianca Jhones”!
Para quem conhece o Alcemar, da rádio Atlântida, sabe do que estou
falando. Chamava meus pais de “ledesmas”, por irem tão atrás e
tomarem cuidado até por demais. Não que não fosse bom. Eu estava
pensando que, ao chegar no topo do Cambirela, o almoço estaria me
esperando.
Confesso:
minha força de vontade surpreendeu-me. Numa ocasião perigosa, eu
nem me dava conta do pânico. Já encontrava a solução e avança
ainda mais. Sentava, tranquila, numa pedra e ficava olhando uma
desacreditada mãe paralisar quando a situação era extrema. Foi
hilário. Meu pai tentava incentivá-la: dizendo que já estávamos
quase lá. Ela desacreditava. Dizia que deveria faltar uns 50% da
trilha, que blá-blá-blá. Eu estava meia alheia a tudo aquilo. Se
pensasse muito, creio que paralisaria e não conseguiria prosseguir,
pois o perigo aumentava a cada passo avançado – exposição à
altura, solo erodido e ravinizado, pedras enormes com fendas que, se
alguém caísse nelas, certamente seria engolido ou quebraria uma
perna.
Logo
a vegetação ficou rasteira. Se a visão já era incrível embaixo,
na vegetação mais alta, imagine ali. Parecia… uma imagem de
satélite. A terra deixou de ser firme. Agora, tudo era resvaladio.
Para piorar, não havia sequer um galho, uma raiz para nos fixarmos.
Foi no muque, mesmo. Subir, subir, subir. O medo de meus pais
aumentavam, porque a exposição a que estávamos era grande, também.
Mas, finalmente, chagamos ao que se pode chamar de topo. Na verdade,
não era bem o topo final. Restavam ainda alguns metros para atingir
o topo de fato. Mas decidimos não ir até ele porque havia dois
homens lá, sabem o que fazendo? CAÇANDO. Os tiros eram disparados
muito próximo de onde estávamos. Ficamos com medo de levar uma bala
perdida. Fiquei muito incomodada com aquilo. Onde já se viu caçar?
É preciso? Não dá para ir ao açougue comprar carne para comer?
Tem que matar os poucos animais que ainda restam na natureza? O
homem, definitivamente, é a pior espécie que há. Não consegue
viver em harmonia com a natureza. Tem que destruí-la... Não se
conscientiza de que é parte dela. Deitei-me, morta de cansaço. O
esforço foi muito. Duas horas e vinte minutos de subida. Mas,
recompensou. A vista era maravilhosa. Divina! Encontramo-nos com uma
família, que falou-nos que iriam fazer churrasco, mas não havia
lenha, então eles desceram. Pegamos a marmita e encostamo-nos em
umas pedras, desfrutando de nosso merecido almoço que minha mãe
havia feito e havíamos levado na marmita, como sempre fizemos quando
vamos para trilhas, já que é mais econômico, saudável e
nutritivo.
Como
o cansaço estava grande, estendemos dois lençóis na pedra – que
minha mãe havia levado na mochila e arrumamos nossos casacos como
travesseiro. Meus pais cochilaram, mas eu não consegui pregar os
olhos. Sendo assim, fiquei de vigia, caso algum corvo aparecesse. E
tinha muito sobrevoando aquelas alturas. E como eram lindos! Enorme,
pretos, soberanos! Meus pais acordaram, após uma cochilada de uns
quinze ou vinte minutos, nos alongamos (depois de massagear a perna
da minha mãe, que alegava dor e câimbra intensas), e iniciamos a
descida.
Foi
meio que um escorregador gigante, pois a terra simplesmente não
aderia aos nossos calçados. Resvalamos até embaixo, onde começava
o lugar de segurança. E um erro seria fatal! O precipício estava
muito perto, para tragar os incautos. E não queríamos ser esses.
Ufa! No caminho encontramos algo muito desrespeitoso para com o meio
ambiente: duas latas de cerveja jogadas no meio do mato. Só para ter
uma ideia, uma lata de alumínio leva mais de 1.000 anos para se
decompor naturalmente. Recolhemos e guardamos: a natureza agradece.
As
pernas de meus pais, segundo eles, tremiam de tanto esforço físico.
O que estava doendo, para mim, era o rosto e as mãos: o motivo é
que eu arranhei os dois. O rosto, apenas o rosto, eu havia batido
duas vezes em galhos que eu não havia visto. Nas mãos, por ter
raspado e segurado em lugares indevidos. Mas não me dei por vencida:
continuei indo na frente. Encontramo-nos com um casal e duas crianças
pequenas. Não duvido que tinham quatro, cinco ou seis anos, no
máximo. A mulher, notavelmente, estava pulando de brava. As duas
crianças, assustadas. O homem, muito seguro de si, puxava o resto a
família. Já era tarde, quase quinze horas, que foi o horário que
chegamos no início da trilha e eles estavam recém COMEÇANDO a
trilha! Meu pai avistou uma fogueira e achou que era deles.
Perguntou. Eles disseram que não. Só podia ser, então, a fogueira
da família que passou por nós no topo. E estava acesa. Não era de
surpreender-se se logo se alastraria e provocaria um incêndio de
grandes proporções no Cambirela. Apagamos, e o homem nos disse que
já havia feito a trilha, em quarenta minutos. Cruzei os dedos.
Duvido. Eles seguiram, e nós também.
No
caminho, discutimos. Ou eles ficariam de noite, ou algo ruim
aconteceria. Oras, que com o devido juízo levaria criancinhas
naquela montanha gigante? Se meus pais quase não aguentaram, capaz
que as crianças aguentariam! Meu conselho é: JAMAIS levar crianças
pequenas nessa trilha, pois o risco de morte é realmente grande. Não
é uma trilha para crianças, nem para pessoas desprovidas de um bom
condicionamento físico. Realmente, três horas de descida
fragilizaram nosso porte muito mais do que duas horas e dez minutos
de subida.
Chegamos
no carro. O contraste do congestionamento que pegamos e o morro que
havíamos acabado de subir era gigantesco. E saber que, em um futuro,
não sei se em médio ou longo prazo, aquela
montanha enorme, linda,
irá erodir. Um dia irá desaparecer, pois o solo, principalmente
próximo ao topo, está muito erodido e ravinizado Será que, mesmo
com tudo o que está acontecendo, o orgulho humano desaparecerá? Por
que o poder público não assume a gestão desse lugar de forma mais
efetiva? Por que não se restringe o acesso das pessoas lá, a um
determinado número por dia? Fiquei pensando em um grande número de
pessoas – que é o que vimos lá – pisando naquele solo
fragilizado constantemente. Por que as trilhas não recebem
manutenção? Por que não há ninguém por lá dando informações
corretas e reais do perigo? Até quando o Arcanjo terá de ir lá
para atender aos inúmeros chamados? Não seria mais racional
prevenir essas situações? Ficam aí esses questionamentos, lançados
a todos e todas.