Cenas do Cotidiano IV
Biblioteca do Colégio Geração, Florianópolis, SC,
logo depois do meio dia. No dia seguinte, nossa turma teria trabalho literário
e eu havia reunido meu grupo para discutirmos nosso livro, escolhermos a dedo
nossas falas e treinar para uma boa apresentação e consequentemente uma boa
nota. Ensaiamos, anotamos, discutimos e conversamos, chegando a falas que todos
concordavam e que satisfazia a vontade do grupo.
Depois de muito tempo, quando já havíamos acabado e
decorado tudo, fomos fazer as tarefas. Interrompidas por vozes alteradas, que
pertenciam à Nessie (Vanessa, bibliotecária; Nessie é o apelido que dou para
ela) e mais um aluno, pelo jeito descontrolado, achando que o que realmente
valia de sua personalidade eram cifras, ou seja, seu dinheiro. Lembro-me da
conversa, era mais ou menos assim:
_Eu pago esta escola, não pago? Tenho o direito de
estar aqui, tanto quanto você!
_Você tem o direito de ficar aqui em silêncio.
Em toda biblioteca é assim, ou nunca visitou uma?
_Já visitei, sim! Várias, por sinal! Fui à
Biblioteca mais importante do estado, se tu queres saber!
_Mas não parece, ou foi expulso daquela também? A biblioteca
que tu mencionaste não é a mesma daqui. Temos regras como qualquer biblioteca,
regras que você não sabe respeitar. Pare de me conversar e saia logo daqui!
Está atrapalhando o estudo dos outros!
-Cuidado com o que fala! Eu vou falar com a
diretora!
_Fale, fale, e não se esqueça de dizer a ela para
ver as filmagens de seu desrespeito.
O garoto dá as costas para Nessie, sai pisando duro
e bate a porta com um estrondo. O desrespeito dele foi muito grande, e a pobre
Vanessa não merecia isso. Sentou em sua cadeira, tentando parecer calma. Eu
ainda não entendia como o desrespeito de alguém por um igual pode ser tão
grande, mais valendo novamente o dinheiro que tem. A pessoa não é mais pessoa:
é apenas um valor, uma cifra de conta bancária. Aliás, esse é um padrão que se
repete em todas as escolas que estudei, em várias cidades das quais morei. Será
que a escola apenas reproduz este estereótipo do mundo, com o perfil de aluno?
Sempre os mesmo padrões? A escola não deveria acabar com isso, criando novos
valores, com mais cultura, respeito?
Saindo dos muros da escola, minha experiência também
se aplica ao mundo de hoje. Em qualquer lugar, cidade e loja, as pessoas mais
bem vestidas, com o melhor carro, que tem uma aparência melhor, são sempre as
mais bem tratadas, mais bem recebidas e atendidas pelos vendedores, sempre com
a preferência. O mundo é realmente um amontoado de cifras, reproduzido pela
escola e reforçado pela humanidade.