O
Rei da Rua
Adilson
era um menino de onze anos, que sempre morou na Rua Quatro, paralela com a Rua
Cinco, em Belo Horizonte. Com sua turma, vivia feliz, sempre empinando pipa nos
morros e descendo as ladeiras de skate ou na bicicleta, para tristeza de sua
mãe, que não aguentava mais aquelas “saidinhas”
do filho. “Chego tarde, não, mãe”,
eram suas palavras, sempre que saía de casa. Procurou sua pipa e saiu sozinho
em direção ao morro, onde certamente encontraria sua turma. Decerto já estariam
empinando. E não deu outra. Foi só olhar do cantinho do olho para o alto do
morro e já encontrou pontinhos amarelos, rosas, vermelho, azuis...
Chegando
ao alto do morro, Adilson soube que Chico Lampreia e sua turma estavam atacando.
Não demorou muito para que os dito cujos subissem ao morro, com o papagaio na
mão, pronto para competir. Ele e sua turma queriam apenas folia, isso tirando
que seu principal objetivo era rasgar a pipa de Adilson. Se o garoto entregasse
a pipa, estaria assim concordando com o Rei da Rua, como assim auto
identificava-se Chico Lampreia. Chegou a casa com a seda da pipa rasgada, o
bambu da armação partido ao meio. Mas recebeu os parabéns de sua turma por não
ter se entregado, não ter desistido. Apesar disso, Chico faturara cinco pipas
dos adversários, o que já o tornava um “filho da gansa”, aos olhos de Adilson.
Depois de realizar as tarefas, uma hora já tinha se passado. Seu pai não tardou
a chegar, querendo saber como foi o dia do filho, perguntando se não havia
brigado. Negativo. Mas, de um jeito ou de outro, o pai ficou sabendo da
competição, e repetindo o ditado: “quando um não quer dois não brigam”. Mas aquilo não se aplicava à Rua Belmiro,
muito menos ao Chico Lampreia.
Logo
Adilson saiu. Ia ao parque de diversões noturno, e prometeu que voltaria antes
das vinte e uma horas. Encontrou-se com
metade de sua turma e foram ao parque. Avistaram três garotas, entre elas a
namorada de Adilson, Dorinha. Dorinha era uma morena de cabelos cacheados e
olhos de ressaca, uma garota politicamente correta, que não queria briga nem intriga.
Sabendo que Chico Lampreia tinha vendido briga e que a turma de Adilson tinha
comprado, o coitado do Adilson ficou sem companheira para a roda gigante. No
final, ele tomou outro caminho e foi para casa, enquanto sua turma fazia o
pagamento da briga que compraram. E assim veio o dia seguinte, a Lua tomando o
lugar do Sol e o Sol tomando o lugar da Lua. Mais brigas, a Lua tomando o lugar
do Sol e o Sol tomando o lugar da Lua... A turma de Lampreia cada vez mais
brigona.
Brigas
e mais brigas, Adilson não sabe que o que verdadeiramente está disputando com
Chico é não só sua namorada, Dorinha, mas bem como o título de Rei da Rua, os
principais pontos de brincadeira e o domínio da outra turma. Adilson fica
decidido a ignorar Lampreia, seguindo o conselho de seu pai. E a turma de
Lampreia desconfia. Tenta encurralar a turma separada, mas a mesma sempre passa
longe da Rua Belmiro. Até que, finalmente, Chico decide verdadeiramente colocar
em risco seu título de Rei da Rua, fazendo uma honesta (?) competição de futebol.
Opas! Eu disse HONESTA? Perdão, caro (a) leitor (a)! Chico Lampreia não é de
jogar limpo. Seu plano mesmo era que, se não ganhassem na bola, ganhariam no
braço. E a possibilidade de perderem nos dois era nula. Para eles, pelo menos.
O plano parecia perfeito, ainda mais com um craque no futebol do seu lado, Zé
Bernardes, que tinha uma fome por bola impressionante! O outro time, time
Atenas, aceitou a luta proposta pelo time Esparta, nome do time contrário. Na
realidade, o que Adilson queria não era ganhar da Rua Belmiro, e sim,
conquistar a liberdade e o respeito que todos merecem. Poder brincar nas ruas
de cabeça erguida, sem ter de pedir permissão ao Chico, e dar esta liberdade
aos outros garotinhos mais novos era um sonho!
Problema
número um: arrumar um treinador. Ora, todo time bom tem um treinador!
O
treinador podia ser um problema, mas por fim arrumaram um ex-jogador, o seu
João-Silvino, para treiná-los. O time Esparta treinava um pouquinho de tarde,
sempre com um espião no turno da manhã, para ver como o Atenas estava se
saindo. E eles treinavam mal de tarde, mas era uma encenação. O time dava toda
a potência de tarde, no terreno abandonado atrás da casa de seu João. Treinaram todas as possibilidades de ataque
surpresa, defesa e goleiros: sempre focando no fator surpresa. Treinaram até o
dia do jogo, em que o Esparta quase ganhou, mas a organização do time Atenas
foi melhor que qualquer muque para soco, como o plano de Chico. Ganharam a
liberdade de goleada, e mostraram ser capazes de enfrentar a discriminação com
honestidade e que o muque não vale nada, se a pessoa não tem bom coração.
Depois
do jogo, Adilson se encontrou com Dorinha. Ela pediu desculpas, os dois
trocaram-se beijinhos e tiveram o desprazer de presenciar uma placa sendo
colocada sobre a terra, onde acontecera o jogo pela liberdade, a luta contra o
preconceito. A placa dizia:
BREVEMENTE,
NESTE LOCAL, CONDOMÍNIO RESIDENCIAL DALLAS.
E
esse é o fim da nossa história, de um belo livro, fim de um preconceito, começo
da liberdade.
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